Motim instalado para fazer frente às ferramentas que bloqueiam a publicidade. Em França, os jornais digitais decretaram guerra aberta contra as aplicações que permitem bloquear anúncios e, em alguns casos, fizeram-no da maneira mais arrojada para o utilizador: se quer ler, subscreve ou desliga o ad blocker. Assim, sem meias medidas. Em média, no país gaulês, 30% dos utilizadores têm ad blockers instalados, de acordo com um estudo, de março 2016, levado a cabo pela Ipsos Connect e IAB France, e que teve por base uma amostra de 13 mil pessoas.

Adianta ainda este estudo que os internautas estão saturados de publicidade online. Dos 500 entrevistados sobre esta matéria em específico, 82% instalam ad blockers para evitar intrusões indesejadas, 85% porque sentem que a publicidade perturba a navegação, sendo que 71% a considera "irritante". Veredito aos olhos do leitor e utilizador: navegar com ad blocker ligado é mais limpo, fácil e rápido.

Como é que isto funciona na prática: num feed de notícias de uma rede social, o simples facto de conseguir convencer o utilizador a clicar é uma vitória. No entanto, sem ad blocker é-lhe servida a publicidade em primeiro lugar, o que pode ser desmotivador. Um leitor desmotivado é mais passível de não regressar. Isto tem especial relevância na "era mobile", em que cada milésimo num scroll, ao longo 2 minutos numa viagem de autocarro ou de metro, faz toda a diferença. Por outro lado, com recurso a um bloqueador de publicidade, é possível ir diretamente para o artigo e alimentar a curiosidade inicial sem entraves.

Ter que fazer "seguinte" ou fechar uma "pop-up" antes de chegar ao artigo pode dissuadir a vontade original do visitante, é um facto. Mas não é menos verdade que para grande parte das publicações digitais, a publicidade e os anúncios funcionam como combustível. E sem receita, não há forma de pagar a quem cria conteúdo. E o conteúdo relevante, rigoroso e de qualidade, acarreta um custo. Mas será impossível contrariar isto? "Um por todos, todos contra o ad blocker", apregoam os media franceses.  E os resultados são animadores. Mas já lá vamos. Primeiro, é necessário contextualizar e remontar à primeira batalha.

Segunda-feira, 21 março de 2016. Le Monde, Le Figaro, RTE, Le Parisien, L’Equipe e a plataforma de música, Deezer, anunciaram que ia decorrer nos seus sites, em modelo de teste durante uma semana, um bloqueio aos utilizadores que tivessem ad blockers ativados. Isto é, em vez de aparecer o habitual aviso para cordialmente desligar a ferramenta, as publicações iam impedir total ou parcialmente o acesso às notícias e convidar os utilizadores a subscrever o serviço ou a listar o seu site como whitelisted (lista de exceção) da ferramenta. (No fundo, esta lista de exceção não é mais do que o porteiro da discoteca; se o site estiver na Guestlist do porteiro, a publicidade fica visível; não estando na lista, não fica).

Tanto a duração como o modelo de teste ficou ao critério de cada publicação. A mais arrojada, escreve o Digiday, foi a do desportivo L’Equipe, que não permitiu ver qualquer tipo de conteúdo a não ser que o utilizador desligasse de imediato o ad blocker.

Quem atuou de forma semelhante foi o diário Le Parisien. Adicionalmente, a publicação mostrava aos seus visitantes uma mensagem onde fazia alusão aos “20 por cento de leitores que usam ferramentas de bloqueio de publicidade”, e salientava o facto de esta ser a sua maior fonte de receita. Para continuar a ler, os leitores teriam que listar o site na tal "lista branca" ou pagar 1 euro para ter uma experiência sem anúncios por três meses.

À semelhança do The Guardian, o Le Monde, pelas mãos do seu editor-chefe, Jérôme Fenoglio, escreveu um pequeno editorial. Aqui, alertava os utilizadores que a publicidade tinha de estar visível para que "os jornalistas pudessem fazer o seu trabalho”. Posto isto, o jornal deixava ainda sugestões aos seus leitores: fazer "click" para continuar a ler o artigo, listar o site na whitelisted, ou pagar 1 euro para ter acesso ao site sem publicidade durante um mês.

Sensivelmente um mês depois, os resultados demonstram a primeira surpresa. O intuito desta união francesa contra o bloqueio da publicidade passava por descobrir a melhor maneira de abordar esta matéria sensível (bloquear conteúdo) sem que lhes fosse ainda mais prejudicial (não perder leitores). Foram utilizadas várias abordagens: a do "assine, por favor"; a do "assine, por favor, porque a realidade é esta e está difícil para todos"; e a mais autoritária do "se quer ler, pague ou desligue a ferramenta".

E aquilo que os resultados revelaram, se bem que as audiências são diferentes e variam de publicação para publicação, foi que aqueles que optaram por uma abordagem mais crua foram melhor sucedidos. O L’Equipe conseguiu que 40% dos seus leitores metessem o seu site na lista de sites permitidos da ferramenta, dando luz verde aos anúncios. Mas convém deixar a ressalva: desporto, assim como economia ou ciência, são temas específicos e os leitores dessas publicações vão à procura de algo concreto. São por natureza os meios (por razões diferentes) onde há mais "dependência" dos leitores. No desporto, será o rescaldo de um jogo importante. Na ciência, um artigo ou estudo sobre algo que lhes intrigou e que não podem obter a informação em qualquer outro site generalista - pelo menos de forma tão bem fundamentada. Na economia, a fiabilidade e a credibilidade de um site de confiança como o Financial Times, leva a que as pessoas cedam aos apelos. Nas publicações generalistas, isso não acontece, o que leva a que os números sejam um pouco mais baixos.

“Queríamos um movimento coletivo com outras publicações, mas decidimos que não podíamos ter apenas uma solução para todos”, disse à Digiday Bertrand Gié, chefe da edição online do Le Figaro e vice-presidente da Le Geste, uma associação composta por vários órgãos de comunicação franceses que deram início a esta campanha/desafio ao ad blocker.

“Revelou-se uma decisão bastante inteligente porque tentámos várias coisas, e verificamos o que funciona”, concluiu Gié.

No caso concreto do Le Figaro, o jornal viu 20% dos seus leitores com ad blocker adicionar a publicação à lista dos sites a não bloquear. O L’Equipe duplicou esses números. O Le Monde, com uma abordagem que visava sensibilizar para o trabalho  - e custos do mesmo - dos seus jornalistas, viu 13% dos leitores a acrescentar o site à lista de permissões.

Escreve o Digiday que tudo é uma questão de fiabilidade demonstrada pelo leitor. Se a informação é de qualidade e o conteúdo tem valor, o consumidor estará disposto a desligar a ferramenta, adicionar à lista que permite ver a publicidade, ou subscrever a publicação. 

A União fez a força

Se em março/abril a guerrilha francesa contra o ad blocker continha vários nomes de peso nas suas fileiras, em setembro este número aumentou e outros juntaram-se à luta a favor da publicidade. Na linha da frente estão 80% das publicações do TOP 40 francês, que se aliaram à causa criada pelo grupo Geste, sendo a lista encabeçada pelo Le Monde, L’Equipe, La Parisien e o Le Figaro.

Apesar das publicações explorarem vários ângulos e diferentes abordagens na luta contra os ad blockers, é possível concluir que tendo como moeda de troca material exclusivo este esforço de convencimento é mais fácil. Mais há mais. O quê? A união, diz Bertrand Gié, chefe dos novos media no Le Figaro.

“É importante atuar de forma coletiva”, disse Gié à Digiday. “Se o leitor for ao Le Figaro e vir a mensagem, e mais tarde vir a mesma no Le Monde, e no final do dia noutro lugar, então, a mensagem está a entrar no cérebro do leitor. Somos todos concorrentes, mas não temos medo de perder leitores porque estamos todos na mesma posição”, esclareceu.

Num segundo momento de testes levado a acabo pelo Le Figaro, os leitores com ad blocker ligado podiam questionar-se se estariam a sofrer astigmatismo. Porém, este desfoque progressivo das linhas que compõem o corpo do artigo, é apenas a última forma encontrada pelo jornal para sensibilizar os seus leitores.

“É como um copo de de vodka”, explicou Gié. “Depois do primeiro, consegue-se ler bem; ao segundo as coisas ficam um bocadinho desfocadas. Ao quarto, já não se consegue ver nada”.

Mas será esta técnica eficaz? Para o Le Figaro, na segunda temporada de testes realizados, os resultados que se verificaram mostram que os números se mantiveram similares aos do primeiros teste. Dos 31 milhões de visitantes mensais, aproximadamente 20% desligaram a ferramenta, sugerindo que o aviso/mensagem do jornal sensibilizou entre 20.000 a 30.000 leitores diários. Tanto assim é que, em setembro, a estratégia se mantém.

Em 2015, o Le Figaro aumentou o seu serviço de subscrição de 5.000 para 55.000 assinantes pagantes da versão digital, depois de disponibilizar todo o seu conteúdo online para os subscritores. No corrente mês, a publicação está a encorajar os leitores com ad blocker ligado a subscrever a publicação por um custo de 9,90€/mês.

O Libération opta por uma abordagem diferente, que passa por dar ao leitor um número limitado de artigos gratuitos. A publicação acredita que desta forma o tempo por sessão aumenta e é enraizado no leitor uma sentido de lealdade que o faz voltar a visitar o site. Nos últimos três meses, através deste método, a versão digital aumentou as subscrições em 10% e ganhou mais 1.000 subscritores.

França está longe de ser caso único

Como acontece no país de Hollande, a média de ad blockers por utilizadores na Alemanha anda na casa dos 30%. Portanto, se mais de um quarto dos utilizadores não estão a ver publicidade, não é de admirar que este seja um tema sensível às publicações alemãs.

Em novembro de 2015, o site de ciência e natureza (ao género da National Geographic) Geo.de, do grupo Gruner + Jahr, detentores do generalista Stern, verificou uma descida de leitores com ad blocker de 35%.

"Não vamos ser chantageados!", disse a Axel Springer. De forma veemente, passou a sua mensagem:  aqui não se toleram bloqueios, nós é que fazemos as regras. O nome até pode não lhe dizer muito, mas Axel Springer é uma das maiores editoras digitais na Europa e proprietária do mais lido jornal alemão, o Bild. Esta abordagem levou a que dois terços dos seus visitantes desligassem o ad blocker dos seus dispositivos. Não admira: mal se entra na página, somos "redirecionados" para o alerta de intolerância.

No Reino Unido, o site financeiro City AM, foi o primeiro a adotar esta medida e verificou os mesmos resultados perante os seus apelos, onde mais de um quarto dos leitores desligou o ad blocker.

Em agosto, foi a vez de um outro conjunto dos órgãos de comunicação na Suécia adotar uma medida semelhante à francesa. Cansados do constante e consequente crescimento de ad blockers, cerca de 90% das publicações do país nórdico atuaram no sentido de garantir que o acesso estaria barrado a quem tinha ad blocker ao mesmo tempo. No fundo, entre as espada e a parede.