"Aquela está de luto porque caiu o governo", diz uma. "Sabe lá ela, os próximos até podem ser os mesmos", responde outra. "O primeiro-ministro estava aqui no hotel Sana, nós todos a pagar 200 euros por noite, porque ele faz do palacete escritório".

A conversa decorre num autocarro da Carris, a passar a zona do Marquês de Pombal, o mote é dado por uma mulher nos 60 e muitos, mas à sua volta pessoas de diversas gerações e origens acenam em sinal de concordância. "Uns mais, outros menos, dando mais nas vistas ou mais dissimulados, todos os políticos roubam". E a coisa ficou por aqui.

O "palacete" [de São Bento], claro, é a residência oficial do primeiro-ministro, que decidiu pagar "250 euros por noite" num hotel de cinco estrelas porque achou que "tinha direito a uma vida mais privada, mais recatada", como afirmou Luís Montenegro numa entrevista à CNN.

Mas em que mundo vive Montenegro?! Já nem falo da contradição de querer ser primeiro-ministro de um país e, ao mesmo tempo, ter uma vida recatada, mas como pôde, no seu perfeito juízo, acreditar - ele e quem o aconselha -, que o assunto da Spinumviva era irrelevante e que passaria incólume nos pingos da chuva? O conflito de interesses é evidente e, mesmo que tenha feito tudo bem, à mulher de César não basta sê-lo, é preciso parecê-lo.

Depois, o triste espectáculo do debate da moção de confiança na Assembleia da República - porque, como disse Ricardo Araújo Pereira com alguma graça, depois de sobreviver a dois atropelamentos (as moções de censura), o primeiro-ministro resolveu chegar a casa e ir tomar banho com a torradeira. Matou-se.

A agonia e o cheiro a esturro decorreram em directo, para quem quis ver - tal como os choradinhos, os insultos, as chantagens, os truques, os gritos, as reprimendas. A Assembleia da República desceu a um nível que ninguém merece. Foram todos, ou quase todos, irresponsáveis. Irresponsáveis, incoerentes e inconsequentes.

Com a suprema lata - peço desculpa pelo tom coloquial -, de invocarem a tempo inteiro o interesse dos portugueses (para fazerem exactamente o que os portugueses não querem). Não contei o número de vezes que falaram no que "os portugueses" querem ou deixam de querer, mas fiquei com uma certeza, os deputados, líderes parlamentares ou líderes partidários não pensaram nos portugueses uma única vez, pensaram apenas nos seus umbigos e nos seu egos. Depois, queixem-se (e perguntem porque estão a crescer os radicalismos).

O que me leva ao início deste artigo e à conversa no autocarro: os políticos vivem numa bolha que nada tem a ver com o país. A dessintonia é total, são realidades paralelas - aliás, estiveram a ver a ARTV em directo menos de 450 pessoas, acredito que quase todos políticos, jornalistas ou comentadores. No fim, o que ficou das notícias para os portugueses é que "os políticos são todos iguais". E não é no bom sentido.

Desfiei, num artigo anterior, uma série desastrosa de casos e casinhos que, infelizmente, poderia ser ainda mais extensa. E é aí que está o problema: a política precisa urgentemente dos melhores, o que significa uma selecção rigorosa de currículos, mas também de património, rendimentos e percurso de vida. Porque o que os portugueses não querem, seguramente, é espertalhões e oportunistas.

Esta coisa de os políticos pensarem e dizerem uma coisa e os portugueses ouvirem e sentirem outra faz-me lembrar um poema do grande Alexandre O'Neill, que dedico a todos os partidos que agora vão a eleições (e também ao presidente da República):

A História da Moral

Você tem-me cavalgado,
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.