Que os partidos queiram tratar da sua existência financeira e fiscal com melhores opções não me espanta grandemente; que os partidos o façam à porta fechada, em sessões sem actas ou qualquer registo escrito (nem que seja para a posterioridade) é, no mínimo, suspeito. Nove reuniões à porta fechada decorreram entre abril e outubro deste ano. Nove reuniões, repito, para discutir, digamos, interesses próprios (fim do limite para a angariação de fundos, a possibilidade de pedir restituição do IVA pago na totalidade de aquisições de bens ou serviços, e ainda a possibilidade de pessoas singulares pagarem despesas de campanhas a título de adiantamento).
Podia ser um erro, uma inocência, mas nada disso: quando emails trocados mostram que há um encobrimento de quem propôs o quê, designando-se os partidos envolvidos pelas letras do alfabeto, pois não temos como acreditar na ingenuidade de nada, seja de ideias ou de processo.
O CDS e PAN foram os únicos partidos que não votaram a nova lei de financiamento, uma lei aprovada no dia 21 de Dezembro, vésperas de natal. Será que alguém, iluminado por luzinhas de fraca potência, pensou que a época permitiria que isto não viesse à tona? Terá sido essa a hipótese levantada naquelas cabeças, da esquerda à direita? A isto chamo eu um atestado de estupidez passado à sociedade portuguesa sem qualquer vergonha ou embaraço.
Resta-nos, portanto, que Marcelo Rebelo de Sousa leia com atenção o que é proposta de lei, perceba o processo de construção desta nova lei e faça o que é preciso ser feito: vetar a lei. Mas não pode ficar por aí. Terá de dar um puxão de orelhas a todos aqueles com assento na Assembleia da República e que dizem representar Portugal e os portugueses.
Marcelo Rebelo de Sousa redesenhou o nosso conceito de Presidência da República. Não pode ser comparado a nenhum dos presidentes anteriores. Cavaco era demasiado distante e rígido; Sampaio era diplomático e contido; Soares gostava de uma presidência inspirada na realeza e por aí fora. Marcelo Rebelo de Sousa apostou nas pessoas, na proximidade, na humanidade. Dizem que é o Presidente dos afectos e que está em todo o lado.
No caso desta lei de financiamento dos partidos e devolução do IVA, o Presidente terá de esquecer os afectos e tratar os partidos como merecem, alunos armados em espertos que não cumpriram com as regras de transparência que o exercício das suas funções obriga. Não deverá ser apenas uma reprimenda, terá de ser uma valente reprimenda. Não só porque a nova lei levanta questões variadas sobre as quais o Presidente tem uma opinião formada e conhecida (Marcelo Rebelo de Sousa, enquanto líder do PSD, considerava que os partidos deveriam ser financiados pelo Estado na totalidade, retirando empresas e pessoas individuais do processo), mas sobretudo por ser evidente que em democracia não se aprovam leis desta forma.
No presente caso, espero que se recorde vivamente da sua profissão de professor e tenha a capacidade de dizer aos partidos o que é preciso ser dito: não brinquem com o poder que têm, sff.
P.S.: Como bom professor, Marcelo Rebelo de Sousa dá oito dias aos partidos para voltar atrás com a lei do financiamento. Resta saber se os “alunos” merecem ou estão ao nível.
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