Cheira bem! Cheira a Lisboa, sendo que se houvesse uma Eau de Lisbonne por estes dias o seu aroma seria o de urina nos becos de Alfama misturado com sardinha na brasa.
Os Santos são giros, mas podemos todos concordar que sofrem do mesmo mal do mundo: ter pessoas a mais. São as mesmas pessoas que se queixam que Lisboa está um caos, com demasiado trânsito, sem lugares para estacionar, muitos turistas, que depois nos ligam a perguntar se queremos ir a Alfama em noite de Santos Populares.
Estas festas são a lembrança de que somos um país de bimbos e não de passadeiras vermelhas e digo isto como o maior dos elogios. A camisa aberta, com o crucifixo pousado sobre uma fofa camada de pelos a espreitar, é o fashion statement que Portugal precisa! Tenho algum receio que, com o tempo, haja uma espécie de apropriação cultural bimba e que os Santos Populares se transformem numa festa gourmet onde em vez de mitras de rabo de cavalo seboso veremos betos a comer sardinha crua enrolada em alga. Uma distopia em que em vez de se celebrar o Santo António se celebre o Santo Bernardo, padroeiro brasonado da Quinta da Marinha.
Por isso, deixo aqui uma receita para uma boa noite de Santos Populares bimba. Uma espécie de manual das boas práticas e manifesto das coisas que não podem faltar para se manter esta bonita tradição portuguesa:
- Ao jantar, tem de haver um empregado desdentado ou uma senhora de buço proeminente a servir-nos. Tem, invariavelmente, de demorar e enganar-se nos pedidos, várias vezes. O chouriço assado tem de demorar uma hora a vir para a mesa para saber melhor e podermos refilar com o empregado como se fôssemos família.
- A carne tem de saber a sardinha. Eu não gosto de sardinha, mas ainda na quinta-feira em Alfama tive de comer uma grelhada mista a saber a peixe. Devia ser obrigatório que é para refilar e, no fim, exigir um desconto. Não me cobraram as azeitonas e ainda levei uma cerveja de borla para o caminho.
- Um amigo tem de te ligar a dizer que na zona onde ele se encontra “estasse” melhor (pequena homenagem aos D.A.M.A.). Ele diz-nos que que está menos confusão e nós acreditamos, mas ao chegarmos lá vemos que é exatamente o mesmo mar de gente. "Demoraste tanto que isto começou a encher", diz ele.
- Tem de haver malucos. Um bom arraial dos Santos tem de ter pelo menos dois malucos de boné virado para trás, óculos escuros e camisola de alças a dançar alegremente música pimba com o ritmo trocado.
- Tem de se estar horas na fila para aquelas casas de banho portáteis que até o pessoal do Casal Ventoso acharia nojentas. A fila das mulheres será sempre maior porque a casa de banho de um homem é quando e onde um homem quiser
- Tem de se urinar na rua, lá está. Não num ato pouco civilizado e nojento, mas como forma de libertação que celebra a liberdade. O que conta é a intenção com que se urina. Ver-se-ão mulheres agachadas por entre carros estacionados a mostrar que a igualdade é para todas as ocasiões.
- Beber vinho em copo de plástico da Super Bock ou da Sagres. Vinho daquele que mais um dia ao ar e era vinagre balsâmico. Daquele que quando se prova se faz uma expressão de bebé a provar limão ela primeira vez e se diz sempre o mesmo «Ui… Isto ao quinto copo já te sabe bem!».
- Tem de se beber uma ginjinha vendida por uma senhora de idade pela janela do seu rés-do-chão. Depois de pagar deve pedir-se fatura e soltar uma gargalhada. Nos Santos ninguém está preocupado com os impostos.
- Temos de perder alguém do nosso grupo de amigos. A noite de Santos é como o desembarque de Normandia em que todos sabemos que será impossível chegarmos todos juntos ao final. Haverá uns que ficam pelo caminho, caídos para o lado num canto ou, mais provavelmente, engolidos pela multidão.
- Alguém tem de fazer aquela piada de ir ter com a senhora que vende manjericos e perguntar: «Isso dá para fumar?».
- Tem de passar “Os peitos da cabritinha” e o “Aperta com ela” enquanto moças de fato de treino cor de rosa e argolas douradas abanam o que Deus lhes deu e rapazes de boné da Lacoste apertam uma ganza.
- Tem de se terminar a noite à procura de um táxi livre que não aparece e com o pensamento de «Nunca mais venho aos Santos, isto é uma confusão.»
Que esta receita nunca se perca e que os Santos nunca se transformem num festival de street food gourmet. A sardinha não precisa de ser servida em bolo do caco e a bifana no pão não precisa de folhas de rúcula. A sangria tem de ser de vinho carrascão e não de espumante. Os Santos são dos bairros, mas nunca podem ser do Bairro.
Sugestões do autor:
Ir a um festival de verão para ouvir música e sem tirar uma fotografia.
Vão ao top FNAC e comprem um livro qualquer para ler na praia e parecerem cultos.
Mousse de Oreo. Pesquisem a receita na Internet que eu não sou vossa mãe.
(Artigo corrigido às 13h33: Desembarque na Normandia)
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