Ao longo do mês de dezembro, administrativos, secretárias, consultores, marketeers, criativos, redatores, operários, auditores, técnicos, contabilistas, gestores de conta e tantos outros trabalhadores por conta de outrem invadem estabelecimentos de restauração com capacidade para grupos, no sentido de disfrutarem do ancestral rito do jantar de Natal de empresa. Do outro lado da moeda, inúmeros trabalhadores independentes, profissionais liberais, desempregados, acompanhantes de luxo e comediantes passam um mau bocado durante esta quadra, impedidos, pela sua solidão profissional, de tomar parte nesse tipo de eventos gregários. O estigma é real.
Nós – gajos a recibos que trabalham de casa ou num escritório solitário, que não têm absolutamente nenhum colega fanático com quem discutir o clássico à segunda-feira, que não se podem envolver num caso amoroso no espaço laboral, a não ser através da autossatisfação – exigimos igualdade. Também queremos falsear um sentimento de camaradagem! Também queremos sorrir de forma hipócrita, quando o chefe, quotidianamente um biltre, procura ser um porreiraço em ambiente informal! Também queremos sentir vergonha alheia ao observar o Mário da contabilidade a oscular sofregamente a Paula dos serviços de arquivo! Chega de marginalização.
Queremos lavagem de roupa suja dissimulada de galhofa inocente! Queremos maquilhagem do fraco desempenho da firma através de jantar opulento! Não toleraremos mais esta discriminação.
É que eu sou um trabalhador independente e solitário. O meu jantar de Natal profissional é uma refeição a sós. E a conta é a dividir por todos. Não tenho subordinados com quem me enturmar, não tenho superiores hierárquicos para contestar. No máximo embebedo-me sozinho e falo mal do meu superego, que é um moralista de merda e que me está sempre a cortar as pernas. Não tenho sequer tenho direito a criticar o discurso motivador do patrão, sou obrigado a ficar desmotivado com o meu próprio discurso galvanizante. “Pois, não gostei nada do discurso de mim próprio. Acho que aquilo é conversa só para disfarçar os reais problemas da minha pessoa. Para o ano, despeço-me". Não é justo.
É que não é só o orçamento que trama os recibos verdes. Deixem lá a malta ir aos vossos jantares.
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