
Nos últimos anos, o Reino Unido tem vindo a escorregar pela ladeira da qualidade de vida que o definiu até à década de 1960. O SNS está uma lástima, as classes menos abastadas - os “have nots” - têm dificuldade em encontrar casa, e depois a aquecê-la no inverno e até manter manter o consumo familiar nas calorias mínimas.
É verdade, a “velha Albion” que nós aqui em Portugal nos habituamos a ver como uma sociedade próspera, está com índices semelhantes aos nossos - espera para uma consulta médica, por exemplo - e a sua decadência não mostra sinais de recuperação. Pode dizer-se que foram os 15 anos do Partido Conservador no poder que causaram esta situação, mas, neste último ano, os trabalhistas não conseguiram reverter a queda.
Pode também dizer-se que foi o Brexit que estragou tudo, mas já antes do divórcio com a Europa - essa desastrada tentativa de voltar à singularidade e tenacidade britânicas - os sinais de decadência começavam a ver-se um pouco por todo o lado. A Royal Navy, por exemplo, tem atualmente 62 navios, quando em 1939 tinha 332, e em 1945, 553. Num índice de qualidade de vida está em 11º lugar, abaixo de três das suas ex-colónias, Canadá, Austrália e Nova Zelândia.
Em termos políticos, tradicionalmente o poder era dividido entre o Partido Conservador e o Trabalhista, com ocasionais mini-picos do Partido Liberal. Não vou discutir agora qual dos dois governou melhor ou pior ao longo dos tempos, até porque ao longo dos tempos as mudanças de um para outro não deram resultados muito diferentes.
Neste cenário de estabilidade precária nunca houve espaço para mais nenhuma força política. Entre 1998 e 2025, o Partido de Independência do Reino Unido, UKIP, depois Independente e atualmente Reformista (“Reform UK”) não conseguiu eleger um único deputado em seis eleições. O líder carismático desta sequência partidária é o famigerado Nigel Farage, que conseguiu eleger-se para o Parlamento Europeu em 1999, mas “despediu-se” seis meses depois, para fazer campanha a favor do Brexit.
Farage é um personagem, do género de Boris Johnson, mas com muito mais humor e extrema agressividade. Quando estava no Parlamento Europeu, disse ao belga Herman Van Rompuy, em sessão plenária e a olhá-lo de frente, “O senhor tem o carisma de um esfregão de cozinha!”.
(Só um inglês consegue ter sentido e humor e ser ordinário ao mesmo tempo, há que reconhecer…)
Farage e o Reform UK seguem todos os princípios da extrema-direita: contra os imigrantes, contra a integração europeia, amigo de Donald Trump, admirador de Viktor Orban e sempre pronto para escandalizar com o que diz. Joga, como todos os seus congéneres europeus e americanos, no desencanto dos eleitores com a ordem democrática que não consegue dar-lhes mais benefícios (às vezes, nem manter os que têm). O populismo da extrema-direita vive dessa desilusão e da ideia irracional de que os imigrantes tiram trabalho aos autóctones. (Irracional, porque os imigrantes fazem o trabalho que os nacionais não querem fazer, e aceitam salários de miséria que tornam possíveis muitos serviços básicos.)
A eleição da semana passada era autárquica e o Reform UK elegeu presidentes de seis câmaras e um total de 600 cargos municipais - Nigel Farage disse que eram "resultados sem precedentes", e de facto foram. Considerando que as autárquicas são sempre um indicador das parlamentares, parece que é desta vez que Farage vai finalmente ser eleito nas próximas parlamentares - que, se os trabalhistas se aguentarem, serão daqui a três anos.
Segundo algumas opiniões, os trabalhistas estão a trabalhar bem, mas são muito maus a anunciar as suas melhorias. No seu primeiro discurso depois das autárquicas, Keir Starmer, que é pouco carismático e muito sisudo, não falou das melhorias do custo de vida ou da redução das listas de espera na saúde; fez um pequeno discurso sobre a Ucrânia numa fábrica de drones - sendo que é exatamente o aparente desinteresse pelos problemas locais que levou muitos eleitores a virar-se para o Reform UK.
Veja-se que no discurso do novo Presidente da Câmara de Lincolnshire, do Reform UK, Andrea Jenkyns afirmou que para os imigrantes tendas de campanha chegam perfeitamente, não é preciso pô-los em casas. Farage disse que as câmaras do Reform UK nada farão para facilitar a instalação de imigrantes.
As questões que agora se colocam a conservadores e trabalhistas são as mesmas. Os conservadores, que são mais no estilo do nosso CDS, têm que se mostrar mais agressivos, ao estilo do Chega. E os trabalhistas, que seguem uma linha parecida com o nosso PS, têm de ir um pouco mais para a direita.
Aliás, esta comparação que fiz entre os partidos do Reino Unido e de Portugal, poderia ser feita para quase todos os países da União Europeia. O que acontece é que a extrema direita, mesmo que não ganhe, leva as outras forças políticas a “endireitar” o discurso, porque os eleitores europeus estão de facto muito pouco satisfeitos com o estado da Europa, desde os imigrantes à defesa.
O fio da História não é uma linha contínua, é um círculo. Oitenta anos depois da derrota dos fascismos, cá estamos nós outra vez a ver o racismo e a xenofobia a crescer.
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