A transmissão do Festival da Eurovisão começou com um apelo tão justo quanto certeiro: Give peace a chance [dar uma hipótese à paz].
Depois, o povo da Europa e da Austrália quis, através de votos telefónicos, cantar em coro com a Kalush Orchestra e Stefania da Ucrânia. Pouco importaram as palavras daquela música, o que contava era estar com eles.
O voto popular impôs a alteração do voto dos júris nacionais especializados. A canção da Ucrânia, com um mix de tradição e modernidade, inteligente fusão de hip-hop, folk, rap, electro e dance merece ser escutada. Mas parece indiscutível que havia canções mais interessantes. O que aconteceu neste Festival foi a mobilização emocional do povo europeu para dar o triunfo à martirizada Ucrânia.
A popularidade dos festivais da Eurovisão cresceu nos últimos anos assente numa vertente ideológica: aposta numa Europa multicultural, portanto diversa e das liberdades. Em casos recentes tivemos a defesa dos direitos das pessoas LGBTI. Agora, o povo europeu quis juntar a escolha geopolítica.
Tantos de nós estamos naturalmente indignados pelo ataque à Ucrânia por parte de Putin. Os líderes ocidentais estão, como é devido, a invocar a defesa da boa ordem internacional para responder à injustificada agressão. Mas aqui entra uma realidade contraditória que nos põe em causa: é precisamente pelo desprezo dessa mesma ordem internacional que vários conflitos estão em ferida aberta e essa nossa indiferença alimenta a impunidade – é o que acontece com o conflito entre Israel e a Palestina.
Nas últimas décadas este conflito na Terra Santa agravou-se porque a comunidade internacional tem fechado os olhos ao sistemático incumprimento do direito internacional.
É inquestionável o direito de Israel a viver com segurança e qualidade de vida. O país tem sofrido ataques que têm de ser parados. Mas esses ataques não justificam a opressão, o apartheid e a sistemática violação de direitos fundamentais que os palestinianos sofrem todos os dias e que saltam à vista de qualquer observador imparcial.
Os últimos dois meses têm sido de escalada da violência. 19 israelitas foram mortos em ataques de terroristas palestinianos solitários. Trinta palestinianos foram mortos em ataques israelitas que também merecem a etiqueta de terroristas.
O assassínio em Jenin, na quarta-feira, de Shireen Abu Akleh, muito reconhecida e respeitada jornalista da Al Jazeera, veio tirar o conflito entre Israel e a Palestina da gaveta dos esquecimentos.
A Europa e os EUA levantaram a voz, mas a crítica a Israel é tímida. O duplo padrão – Ucrânia e Palestina – debilita a autoridade ocidental.
Falta à Palestina — e a outros lugares sofredores pelo mundo, refiro a Palestina por a conhecer bem — a construção emocional que está a envolver a Ucrânia.
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