Inobstante seja clara e cristalina a indispensável importância daqueles que, por imposição das circunstâncias ou por escolhas ou objetivos pessoais, saem dos seus países para viver noutras paragens, há cada vez mais nacionais portugueses — e não só — a repudiar os que por aqui chegam, preferindo enxergar neles ameaças imaginárias e infundadas.

A retórica é sempre a mesma: os imigrantes afetam a coesão nacional (se bem recebidos, eles tendem a se integrar cada vez melhor e mais rapidamente), causam insegurança nos cidadãos (os dados estatísticos desmentem tal falácia) e, em suma, põem em risco os valores e tradições da pátria receptora (num Estado que se declara constitucionalmente livre e laico não parece razoável impor crenças ou costumes).

Ora, trata-se da já repetida ladainha ultranacionalista que necessita eleger inimigos imaginários de modo a arregimentar e consolidar as suas hordas. Contudo, neste aspecto, alinho-me ao genial Nelson Rodrigues, que teria cunhado a célebre frase: “O nacionalismo é o último refúgio dos canalhas”.

É de se espantar que tal ambiente refratário aos imigrantes ganhe tanta força em Portugal. Para lá da importância indiscutível na manutenção do crescimento sustentável da economia portuguesa, parece que os lusitanos se olvidaram do espírito desbravador que sempre caracterizou historicamente o povo português. E não é de hoje. A História demonstra. São os portugueses emigrantes atemporais, ou já se esqueceu da Era dos Descobrimentos e mais recentemente das ondas migratórias para Luxemburgo, França, Canadá, Estados Unidos etc.? É ou não legítimo buscar melhores condições de vida? Ou somente alguns têm este direito? E, não se pode deixar de anotar, uma parte considerável desses imigrantes são descendentes dos nacionais daqui que foram para outras terras. O mínimo de dignidade e de consciência nacional obriga os portugueses a considerá-los irmãos.

Dado da realidade é o envelhecimento da população portuguesa. As mulheres têm menos filhos e quando os têm já estão com idade cada vez mais avançada. Outro fator estatístico relevantíssimo é o saldo natural negativo que perdura há décadas, ou seja, em Portugal, todos os anos morrem mais pessoas do que nascem.

Agora, observe-se: em 2022, 17% dos bebés nascidos em Portugal eram de mães estrangeiras. Em 2023 este percentual saltou para 22%. E, pasme-se, em 2024, quase 30% dos bebés nascidos em Portugal eram filhos de mães estrangeiras. Qual seria o desenvolvimento de um país como Portugal num cenário demográfico como o que se acaba de descrever?

Os que buscam refrear o fluxo imigratório parecem dar de ombros para a importância que essa gente que escolheu viver em Portugal tem para a sustentabilidade demográfica, económica e até previdenciária do país. Sim, os imigrantes são fundamentais para a sustentabilidade do sistema previdenciário português. Ora, os imigrantes que chegam a Portugal, em sua imensa maioria, estão em idade de trabalhar, pagar impostos e fazer os descontos para a previdência social portuguesa, que, note-se, em razão do crescente número de contribuintes estrangeiros, tem alargado a sua saúde financeira e sustentabilidade de longo prazo. Os contribuintes estrangeiros são responsáveis por relevante excedente nas contas da previdência portuguesa.

Portugal terá eleições dia 18 de maio, quando se elegerão o novo primeiro-ministro e os deputados que comporão a Assembleia da República. Nos inúmeros debates que antecedem tal pleito, chama a atenção que, a par das inescapáveis discussões sobre saúde e educação, ganhe tanto relevo o tratamento que se quer dar àqueles imigrantes que escolhem Portugal para viver com as suas famílias.

Facto é que, desde a última eleição legislativa, já se experimentou uma série de retrocessos na Lei de Imigração — que limitaram e em muitos casos impossibilitaram a legalização de estrangeiros em Portugal, tornando a vida dessas pessoas um verdadeiro suplício. Ora, com o fim da conhecida “Manifestação de Interesse” o que era ruim ficou ainda pior, ou seja, se antes as pessoas tinham uma via legal (demorada, mas que resultava) para se regularizar, hoje já não dispõem mais deste instituto e (pasme-se) de nenhum outro, e vivem num limbo legal.

A expulsão em massa de imigrantes irregulares, como ocorre com alarde nos Estados Unidos, já se anuncia também em Portugal. Mais de 18 mil pessoas estão sendo notificadas a deixar o país. Cometeram o crime de ingressar no país sem o visto respectivo. Contudo indaga-se: é inteligente essa medida? Não valeria mais regularizar estas pessoas que aqui já estão? Integrar não é mais sábio do que expulsar? Os dados demográficos, sociais e económicos comprovam que sim.

Para piorar, Portugal também corre o risco de ver retrocessos na Lei de Nacionalidade. As vozes governistas — com eco de boa parte da direita e de toda a ultradireita — pretendem dificultar o acesso à nacionalidade portuguesa pelo tempo de residência legal. Hoje, após cinco anos vivendo de forma regular o cidadão pode requerer a nacionalidade por naturalização. Os arautos do nacionalismo ufanista e hipócrita gritam por um aumento deste prazo para dez anos!

Como já se demonstrou à exaustão, nada mais contraproducente e desinteligente. Em vez de olhar para os exemplos de Alemanha e Países Baixos, que têm desburocratizado e facilitado a integração dos imigrantes, em Portugal se caminha na contramão do fluxo da razoabilidade. Perde Portugal. Perdem os portugueses.

É essencial que os imigrantes conheçam os procedimentos existentes e busquem apoio jurídico especializado para orientá-los sobre suas possibilidades legais, sejam elas através da obtenção de vistos apropriados, do reconhecimento de residência, da solicitação da nacionalidade ou da regularização profissional.

*Daniel Senna, sócio do Fragata e Antunes Advogados, é advogado, mestre e doutorando na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra (Portugal).