Os biógrafos dele, Sonia Purnell (autora de Just Boris a Tale of a Blonde Ambition) e Andrew Gimson (retrata-o em Boris: The Rise of Boris Johnson) coincidem: Boris põe toda a gente a rir, tem humor fino, é capaz de auto-ironia, brinca com trocadilhos a partir dos escritores clássicos britânicos que cultiva (Shakespeare no topo da lista), é um malabarista no discurso e assim como que hipnotiza tanta gente. Mas há muitos que não o levam a sério.
Boris, sendo britânico nasceu nos Estados Unidos (Nova Iorque), num meio que a biógrafa Sonia Purnell descreve “bon vivant e boémio.” A mãe, Charlotte, hoje com 77 anos, fez vida como artista. O bisavô paterno era um conhecido jornalista otomano. Os biógrafos também coincidem ao considerar essas influências marcantes: Boris vê-se ator e sabe gerir o momento para entrar em palco. Também cultiva analisar o que acontece e por isso, depois da universidade em escolas de elite, Eton e Oxford, tal como o avô, foi jornalista. Correu mal a estreia como estagiário no The Times, meteu-se numa trapalhada com relatos inventados e foi logo despedido. Já tinha bons contactos no meio e conseguiu, poucos dias depois, entrar para o Daily Telegraph, como correspondente, por cinco anos, em Bruxelas. Diz-se que foi ali que Boris ganhou fúria contra a burocracia das instituições europeias.
Quando entrou em pleno na política nas fileiras do Partido Conservador, primeiro como mayor de Londres (2008-2016), depois como deputado e ministro dos Negócios Estrangeiros (2016-2018), logo ficou evidente que tinha um objetivo: tornar-se primeiro-ministro britânico. Vai esta semana concretizar essa ambição.
Para abrir o caminho para o topo político serviu-se muito do “Brexit”. Conseguiu, com a oratória hábil que tem, mobilizar muito do eleitorado mais tradicional e rural através da exploração do orgulho britânico.
Mestre na demagogia, Boris usou vezes sem conta versões mentirosas: por exemplo, antes do referendo que veio a ditar a saída britânica da União Europeia, argumentou que o Reino Unido pagava a Bruxelas milhões de libras que fazem falta ao serviço nacional de saúde (NHS) – mas omitiu que a Europa subsidia o Reino Unido com tantos milhões de libras. Agora, há uma semana, já no final da campanha que o vai levar à liderança conservadora e à chefia do governo de Londres, acabou por ser apanhado em mais uma mentira: no que era suposto ser uma sessão de esclarecimento dos eleitores, apareceu em palco com um arenque na mão, encenação para denunciar as regras “inúteis, absurdas e nefastas” impostas pelos “burocratas europeus” aos pescadores da ilha de Man, com a imposição de uma embalagem com gelo a envolver o arenque. Problema: a ilha de Man não integra a União Europeia e aquela regra sobre a embalagem é imposição do governo britânico. A Comissão Europeia lastimou logo nesse dia a prática recorrente de fake news usada por quem, uma semana depois do caso, vai ser primeiro-ministro britânico.
Boris Johnson admira a figura de Winston Churchill, a quem dedicou um livro. Mas Trump é a inspiração de agora, numa história recheada de elogios recíprocos.
Será que Boris Johnson vai tornar-se um Trump do lado de cá do Atlântico? Têm em comum a febre nacionalista e a fúria contra “o monstro” da União Europeia. Mas não é de crer que Johnson apareça a mandar para a terra deles as deputadas que não são de pele branca. A intolerância de Trump não parece replicada em Johnson, mas o egocentrismo encontra terreno fértil para contágio.
Fica evidente que o eixo político Washington-Londres vai voltar a ser protagonista no cenário global como foi no tempo de Reagan e Thatcher. O caso das ameaças sobre a livre navegação no Estreito de Ormuz é um teste imediato ao grau de convergência entre o sistema de Trump e o (seguramente próximo) novo chefe do governo britânico. Johnson vai cultivar a pressão diplomática ou vai alinhar logo com os falcões militares?
Há um dado a ter em conta: Johnson vai ter oposição ativa de gente relevante no Partido Conservador. Sobretudo, na exigência de que a saída britânica da União Europeia passe por um acordo. Johnson corre o risco de ficar em minoria nas decisivas votações parlamentares, tal como aconteceu com Theresa May.
É provável que cresça a exigência de submissão de Johnson a eleições gerais. Ele chega a primeiro-ministro porque ganha a votação interna no Partido Conservador que foi o mais votado nas eleições gerais em 2017. Mas os 160 mil militantes que escolhem a liderança conservadora não são espelho da realidade social britânica: 97 % desses militantes que escolhem são 97 % desses militantes que escolhem são brancos, 70% são homens, metade com mais de 55 anos e 33% com mais de 66 anos.
Está para se ver se o Reino Unido quer mesmo ser governado por este predestinado Boris que passou a ser Johnson.
VALE OUVIR:
Os biógrafos de Boris Johnson discutem a personagem.
VALE VER:
Cresce o cenário de governo Pedro Sánchez em Espanha, com maioria de ministros do PSOE e alguns do Podemos. Mas todos os cenários, até o não acordo das esquerdas e o regresso a eleições, ainda estão em aberto.
A tragédia a que estão expostos os migrantes na terra sem Estado da Líbia. Estima-se que haja, pelo menos, umas 500 mil pessoas na orla mediterrânica à espera de ocasião para dar o salto rumo à Europa.
A Notre-Dame, três meses depois do incêndio.
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