
As sondagens são claras: uma eventual vitória da AD nas eleições legislativas antecipadas não será com maioria absoluta. Com isto, mantendo-se a estratégia do “não é não”, Montenegro seria obrigado a voltar a governar em minoria, perspetivando-se uma continuidade daquilo que foram estes onze meses: uma governação frágil, sem rumo, pouco ambiciosa e não-reformista, que faz lembrar o PS na aquisição de clientelas políticas, na apropriação do mérito pelo anúncio de grandes obras públicas, no aumento da despesa pública e da carga fiscal e até na reversão de uma das reformas estruturais de Passos Coelhos - a extinção das freguesias de 2013 -, que poderá custar mais de 30 milhões de euros anuais aos contribuintes sem justificação plausível.
Esta trágica sina assume contornos surreais ao compararmos os programas eleitorais recentes dos partidos que compõem a maior maioria parlamentar de direita da nossa história (PSD, Chega e IL). Examinando as suas propostas fiscais, percebe-se que os três defendem a simplificação do sistema fiscal e uma redução de impostos que permita às famílias e empresas terem mais rendimentos para investir e pagar melhores salários. Examinando as suas propostas para a habitação, percebe-se que pretendem a redução de impostos sobre a propriedade e o aumento da oferta através da agilização do licenciamento urbanístico e a colocação de imóveis públicos no mercado. Examinando as suas propostas para a saúde, percebe-se que favorecem a integração dos setores público, social e privado e o regresso das PPP. Examinando as suas propostas para a justiça, percebe-se que subscrevem uma reforma visando a desburocratização e celeridade processual, assim como a regulamentação do lobbying. Examinando as suas propostas para a educação, percebe-se que defendem a liberdade de escolha e complementaridade entre público e privado. Lendo o programa de PSD e Chega, saltam à vista vários pontos em comum na defesa da família, da identidade nacional, da imigração controlada e do senso comum contra o progressismo social radical.
A falta de interesse em estabelecer pontes e o eleitoralismo recente do PSD, os traços estatistas e pouca fiabilidade política do Chega e os sintomas wokistas e crises internas da IL são sobejamente conhecidos. Ainda assim, os pontos de convergência programática entre os três em áreas prementes são evidentes e vários exemplos europeus demonstram que é possível formar uma coligação de governo estável entre partidos da direita social, conservadora, liberal ou popular, por mais ou menos anti-sistema que seja o seu discurso. Muitas vezes, esses entendimentos fazem-se com cedências e sem quadros dos próprios partidos (veja-se o exemplo holandês), não vingando o argumento de que uma aliança das direitas levaria a populistas a integrar o executivo. Em matéria de composição do governo, ficou comprovado que tudo é possível com criatividade e boa-fé em sede de negociação pós-eleitoral.
Para já, impera a necessidade de um candidato a primeiro-ministro que diga, em alto e bom som e sem se submeter à doxa dominante da esfera político-mediática, que não impõe linhas vermelhas a priori a partidos políticos e aos seus eleitores, mas sim a propostas ou medidas concretas. No contexto de fragmentação eleitoral e esvaziamento dos partidos tradicionais que vivemos, há que ter a coragem, responsabilidade e sentido de Estado para procurar uma alternativa de governo duradoura de modo a engendrar as reformas urgentes de que o país carece.
A 25 de Junho do ano passado, escrevi:
“Na França dos anos 80, o golpe de génio de Mitterrand de dar palco a Jean-Marie Le Pen de forma a desestabilizar e dividir eleitoralmente a direita, colheu frutos, culminando com a imposição de um perpétuo cordão sanitário aos partidos de direita moderada em relação ao antigo Front National (RN). Esta habilidade política foi replicada pela esquerda em Portugal, impondo ao PSD a exclusão do Chega de uma maioria de Governo. Tal como Chirac, Luís Montenegro mordeu o isco. Com uma incompreensível submissão a uma suposta hegemonia moral da esquerda (“linhas vermelhas”), a maior maioria parlamentar reformista de sempre deu lugar a um Governo de minoria sem rumo certo – um Governo, dizem-nos, “de combate”, seja lá o que isso signifique.”
Lamentavelmente, o único combate desta legislatura que ficará na memória foi pela sobrevivência política de Luís Montenegro, que culmina num triste espetáculo parlamentar e na convocação de eleições que servirão para pouco mais do que credibilizar a sua imagem. Mais uma vez, a esperança dissipa-se, ficando a frustração pelo tempo perdido. Mais uma vez, estamos num impasse que parece destinado a ser quebrado, mais cedo ou mais tarde, pelo regresso ao socialismo, que julgávamos ter rejeitado inequivocamente a 10 de Março de 2024. Mais uma vez, estamos condenados a impostos exorbitantes, estagnação e fuga de cérebros. Mais uma vez, merecíamos mais.
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