Chega o início de Dezembro e já é, oficialmente, época de Natal. As decorações espalham-se pelas cidades um mês depois de serem colocadas nos centros comerciais e montras de lojas porque o Natal é quando uma equipa de marketing quiser. A onda do consumismo é acompanhada por outra onda, um pouco menos desenfreada, que é a da solidariedade. As campanhas multiplicam-se na TV, com famosos a apelar a arredondamentos, códigos, e a dar a cara por instituições que tentam tornar o mundo um bocadinho melhor, algumas; outras que servem só como desculpa para os seus directores encherem os bolsos a brincar à caridade porque não têm capacidade para ter um emprego a sério.
Todos temos telhados de vidro e tal como há pessoas que criticam o capitalismo e o consumismo, utilizando o seu novo iPhone e o Facebook, há os que criticam o cinismo e hipocrisia desta época no tocante à solidariedade, sem nunca terem ajudado ninguém. Fiz um estudo científico e credível e cheguei à conclusão que 99% das pessoas que diz «Só se lembram de ser solidários no Natal!» são pessoas que não ajudam ninguém durante o ano inteiro.
Acho que todos os actos de solidariedade têm uma pontinha de egoísmo e tal como muita gente dá esmola só para Deus os ter em boa conta, há quem ajude apenas para se sentir melhor. No entanto, parece-me que isso pouco ou nada interessa. O que interessa é ajudar, seja por que motivos for. É para ter benefícios fiscais? Que seja. É para ficar com a consciência tranquila? Que seja. A solidariedade natalícia não existe porque fica bem, existe porque é precisa e porque todos aqueles que apregoam que se devia ajudar o ano inteiro não o fazem a não ser no seu activismo do sofá. O português – quiçá o ser humano – tem essa particularidade que é a de apontar um defeito quando vê alguém a praticar algo bom:
«O Ronaldo deu um milhão para ajudar não sei quem? Um milhão? Isso para ele não é nada! Em vez de dar mais!»
«Aquele YouTuber parece que fez um vídeo onde ajuda um sem-abrigo! Quer é aparecer! Quem quer ajudar está caladinho e não precisa de publicitar!»
«Então não é que o Guilherme adoptou uma cadela de um canil? Ele nem é vegan! Hipócrita!»
A solidariedade de Natal é consequência da história de fantasia que se criou à volta do senhor das barbas. Está meio mundo a apregoar que se as crianças se portarem bem vão ser recompensadas por um senhor que entra pela chaminé – que noutra situação seria de chamar a polícia – e está a outra metade do mundo na miséria em que nem vale a pena as crianças portarem-se bem porque não devem chegar vivas ao Natal. Por isso, não é de estranhar que as pessoas se sintam mais incumbidas em ajudar e praticar a solidariedade, ajudando assim a fazê-las esquecer que a premissa desta época é bastante ofensiva para quem mesmo a portar-se bem não tem direito a jantar.
Confesso que também não ajudo ninguém nem contribuo para nada no Natal, mas não é porque ajude o ano inteiro. Não ajudo nunca e pronto. Era o que faltava agora andar a gastar do meu dinheiro e do meu trabalho para ajudar os que tiveram menos sorte na vida! Alguma vez iria agora estar a participar num mega-evento solidário como o “RIR Ajuda”, dia 16 de Janeiro, no Altice Arena, em que todas as receitas revertem a favor da Fundação do Gil? Era o que faltava, de certeza que depois ficam com o dinheiro para eles e essas desculpas todas que damos para nos tranquilizar a consciência por não ajudarmos ninguém.
A época de Natal reúne as melhores recordações que tenho da minha infância. Passados na Guarda, com avós, primos, tios, todos à volta da árvore, felizes e em que as prendas eram só uma desculpa e o convívio era o verdadeiro mote daquela consoada. Depois, vamos crescendo, e percebendo que era tudo uma farsa e que nem tudo o que é família são pessoas com as quais queremos conviver. Vai-se tudo afastando até ao dia em que o Natal é jantar num restaurante indiano com os teus pais e irmão, mas está tudo bem. No final de contas, são os que realmente importam. Com esse afastamento, poupa-se nas prendas e pode contribuir-se para causas solidárias. O Universo sabe equilibrar-se.
Sugestões e dicas de vida completamente imparciais:
O meu espectáculo de stand-up comedy tem nova data em Lisboa, dia 5 de Janeiro. Se quiserem comprar antes que esgote é neste link. É uma excelente prenda de Natal e estão a contribuir para ajudar um menino carenciado da Buraca, que por acaso sou eu, mas é totalmente imparcial esta causa.
Não deixem a compra das prendas para a véspera porque só me vão atrapalhar quando eu for comprar as prendas na véspera.
Se alguém ficar ofendido por motivos religiosos quando lhe desejarem Feliz Natal, dêem-lhe com um tronco de Natal na cabeça.
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