O ataque multinacional no fim de semana a alvos na Síria teve ares de encenação de um espetáculo guerreiro. Durou exatamente duas horas. Ao longo desse tempo, partes do céu escuro da noite Síria foram iluminadas pelo tracejado multicolor dos mísseis. Há imagens que mostram o céu a ficar cor de fogo como se fosse o resultado da erupção de um vulcão, mas sem base e cratera. Sabe-se que para esta operação com etiqueta de justiceira foram postos em ação aviões bombardeiros que são glórias de outras antigas guerras: os B-1 dos EUA, os Mirage e os Rafale franceses e os Tornado britânicos.
Não há notícia de que para esta punição ao regime de Assad tenham sido chamados os bombardeiros invisíveis de última geração. Esse facto faz pensar que os estrategos da operação multinacional estavam confiantes de que o anunciado contra-ataque de baterias antiaéreas não passaria da ameaça.
Após uma semana de muito alarido em volta do castigo a Assad, a tão propagandeada operação aérea foi assumidamente muito limitada. A CNN cita fontes americanas para adiantar que foram destruídos depósitos militares onde terão estado armazenados componentes das proibidas armas químicas. Especula-se que a aliança multinacional sabia que os armazéns que pulverizou com os mísseis já estariam esvaziados — parece estranho que corressem o risco de ao bombardearem estarem a contribuir ara a dispersão na atmosfera das famigeradas armas químicas, com efeitos nefastos para a população civil.
Tudo contabilizado, fica evidente que a destruição causada por duas horas de expedição punitiva é absolutamente marginal para um regime que está há sete anos numa guerra que já levou mais de 300 mil vidas. A retaliação foi, portanto, sobretudo um espetáculo anunciado como “mensagem forte” contra o que é de facto um crime na guerra: o recurso a armas químicas.
Estivemos, assim, perante uma resposta tática que tende a não alterar algo de substancial na terrível crise síria. Ainda bem que o guião para esta retaliação foi concebido de modo a poupar-nos ao disparo de uma escalada internacional da guerra.
António Guterres, como Secretário-geral da ONU, alertou, sem meios-termos para uma “nova Guerra Fria” que se instala. A Síria está no epicentro do novo duelo entre o Ocidente e a Rússia, mas a tensão envolve todo o Médio Oriente e o ciberespaço.
Um muito experiente diplomata dos EUA, Ryan Crocker, ex-embaixador em Damasco, depois de ter sido diplomata em Beirute e Bagdade, lastima que “se continue à espera de uma visão política para acabar com a guerra e o conflito: “A Síria não é um problema militar. É um problema político”.
A falta de arte política é o que está a tornar ameaçadoras tantas crises abertas pelo mundo. Desta vez, com a Síria, como antes com a Coreia do Norte, há a virtude e a coragem de uma inteligente moderação.
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