O partido Fidesz, de Viktor Orban, roça os 50% dos votos expressos e deixa todos os adversários a mais de 30 pontos percentuais de distância. A segunda maior força no parlamento húngaro, com à volta de 20% dos votos, é o Jobbik, partido que se deslocou da extrema-direita xenófoba para o centro-direita deixado vazio pela deslocação do Fidesz para a direita. Os socialistas (ex-comunistas) e o conjunto de pequenos partidos à esquerda ficam pelos 17%.
A atual Hungria é um país em cruzada populista e a xenófoba: os migrantes de países islâmicos são vistos como invasores, a liberdade de imprensa está abolida, os fundos europeus são mobilizados para enriquecer amigos do poder, enquanto escolas e a saúde pública estão em condição trágica.
O sentimento nacionalista na Hungria ficou exacerbado após o Tratado de Trianon que, em 1920, reduziu o território húngaro em mais de dois terços: derrotada na Primeira Grande Guerra, os 325.000Km2 do Reino da Hungria no Império Austro-Húngaro ficaram reduzidos a 93.000Km2 no novo Estado da Hungria. Reforçou-se depois nas décadas de domínio soviético. Victor Orban tem sido mestre, com a sua retórica, a explorar esta sensibilidade. Aparece como o defensor da pátria frente aos que são postos como inimigos: imigrantes e refugiados, a União Europeia, a ONU e até as ONG. Vai ao encontro do orgulho de tantos húngaros que o consideram “salvador da pátria”.
Viktor Orban tem carisma como líder nacionalista. Sempre lhe foi apontada propensão para o conflito. Um antigo professor de Ciência Política conta que Orban, com frequência batia com os punhos na mesa para impor o que queria. Na transição da Hungria para a democracia, Orban criou o partido Fidesz, mostrou-se um bulldozer político e impressionou o financeiro filantropo George Soros, de origem húngara, que financiou aquele partido – agora, Soros é um dos alvos dos ataques de Orban, por reclamar liberdade de imprensa e fim da governação autoritária.
Em junho de 1989, quando Orban discursou na Praça dos Heróis, em Budapeste, a exigir a retirada soviética da Hungria, tornou-se o porta-voz de uma juventude fascinada pelo modelo ocidental de democracia. Em 98, Orban tinha 35 anos e tornou-se um dos mais jovens chefes de governo no continente europeu. Anunciava então por alvo libertar a Hungria do caciquismo comunista. Governou por quatro anos e, em 2002 perdeu para a coligação formada por socialistas e liberais, que teve de governar a apertar o cinto depois de muito descontrolo no gasto. Orban regressou à chefia do governo em 2010, com a promessa de colocar a Hungria como país central na vida europeia. Veio a revelar-se o que a filósofa húngara Agnes Heller, sobrevivente ao Holocausto, define como um chefe de clãs num regime “corrupto e de omnipresença totalitária”. Agnes Heller concretiza, em entrevista ao Corriere della Sera: “Na Hungria de hoje para que um negócio prospere é preciso apoiar o Fidesz. O sistema Orban é uma combinação entre feudalismo e mafia. Controla 97% dos media na Hungria”. O enviado do La Stampa fala de “governo sempre a explorar o medo, através de mentiras e fake news”.
A campanha de Orban assenta, quase exclusivamente, na denúncia, com rara violência, das ameaças do choque de civilizações. Diz que há “dez milhões de migrantes de África e do Médio Oriente, de fé não cristã, que estão a marchar sobre a Europa, prontos para eliminar a nossa identidade e o nosso modo de vida”. Orban coloca-se como o “salvador da civilização cristã” na Hungria ao protegê-la com muros, barreiras eletrificadas e arame farpado.
O governo Orban tem o crédito de crescimento económico acima da média europeia (para o que concorre o baixo custo do trabalho), com o generoso apoio dos fundos europeus para a coesão. No entanto, é genericamente reconhecido que aumenta a corrupção e baixa a qualidade da democracia. É assim que 400 mil jovens entre os 20 e os 30 anos estão a tentar deixar a Hungria. Querem agarrar-se à Europa tão hostilizada no discurso húngaro do poder.
A votação alcançada pelo Fidesz, de Orban, confirma o auge do nacionalismo antieuropeu nos países que integram o chamado Grupo de Visegrado – para além da Hungria, também a Polónia, Eslováquia e República Checa. Parece devido questionar-se se faz sentido integrarem a União Europeia, como pares, países que escolhem valores contrários aos da União Europeia.
Mas os defensores dos ideais europeus — liberdade e respeito pelo outro, sociedade aberta, políticas de integração, empenho na justiça social — têm pela frente um desafio maior: os italianos, há um mês, deram a maioria a partidos populistas e de extrema-direita. Em dezembro, a extrema-direita ficou com postos fulcrais no governo de Viena de Áustria.
O triunfo de Macron, há um ano, em França, fez pensar que a vaga antieuropeia estaria em regressão. Que poderia crescer um retorno da Europa com os valores franceses da liberdade, fraternidade e igualdade, o que também supõe solidariedade e respeito pelas diversidades culturais.
Parece evidente que há que repensar o futuro da Europa — e quem segue com apego aos valores essenciais da União. Tendo em conta que até em Espanha já se levantam vozes antieuropeias só porque a Alemanha não lhes entregou o catalão Puigdemont.
O sábio Habermas avisou-nos que o desenvolvimento da consciência europeia é mais lento do que o avanço da realidade concreta. A União Europeia tem sido o maior espaço de liberdade e de bem-estar em todo o planeta. A Europa, apesar de tantas crises e desilusões, tem dado mais fôlego às nossas vidas. Mas há um problema sério nesta relação: a brecha está a crescer.
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