O governador do Banco de Portugal, Mário Centeno, foi questionado, em entrevista à LUSA, sobre as medidas para responder à subida dos preços dos alimentos anunciadas pelo Governo, alertando para o risco de que a descida temporária do IVA no cabaz básico de alimentos seja absorvida pelas margens e que o disparo na procura de alguns dos alimentos possa ter o efeito inverso e fazer subir preços.
Por outro lado, o governador do Banco de Portugal (BdP) recordou o exemplo de cooperação entre o Estado e as empresas no ‘lay-off’ simplificado durante a pandemia, mesmo com custos para os empregadores.
“O que nós precisamos é de alguma coordenação. Podemos dizer que se tentou e que se está a tentar essa coordenação, o que parece ser o caso, mas mais importante do que tudo isto é que precisamos de ver transpostos para os preços do consumidor todas as tendências nos preços internacionais que hoje em dia já temos, que já observamos, e que deverão chegar, mais dia, menos dia, nas etiquetas”, disse, considerando que sejam estes alimentares, industriais — como o aço ou o cobre -, ou matérias-primas industriais.
Para Mário Centeno, perante o atual contexto de subida dos preços dos alimentos é necessário que exista “um momento de cooperação, como aliás houve durante a COVID”, em que o Governo avançou com o ‘lay-off’ simplificado.
“O ‘lay-off’ simplificado não significava que os trabalhadores deixavam de ter custo para as empresas. As empresas, nessa altura, chegaram-se à frente, como nós dizemos em português corrente, e mantiveram o emprego. Tiveram um impacto muito positivo na estabilidade social e económica do país”, disse, acrescentando: “Era tão mais fácil agora fazer isso. E com isto, acho que podíamos evitar algumas medidas que têm no fim de dia um custo orçamental – e esta é a minha avaliação – desproporcionado face ao benefício que tem”.
O antigo ministro das Finanças espera não apenas que o preço dos alimentos que compõe a lista dos 44 com IVA zero caia além da queda do IVA, porque é o que os mercados internacionais antecipam, mas alertou que o preço de alguns vai continuar a subir, “infelizmente”.
“A culpa não é do Governo, que não sei se vai tirar louros ou não vai tirar louros da medida, mas colocamo-nos nós próprios numa posição muito difícil em termos de avaliação”.
Apesar de assinalar que “a medida é temporária e, portanto, cumpre um princípio basilar” que tem vindo a ser apontado “como boas medidas para este momento em particular”, considerou que “há um risco grande” que esta descida “possa vir a ser absorvida pelas margens”.
Entre as dificuldades no sucesso apontou que quando não existe “uma oferta irrestrita de bens nestes produtos, qualquer variação da procura vai fazer variar o preço”: “Se agora passarmos todos a comer brócolos, posso-vos garantir que o preço dos brócolos vai aumentar”, exemplificou.
“Também é verdade que parte daquela eliminação do imposto vai parar às margens dos produtores e dos distribuidores, talvez até mais dos distribuidores do que dos produtores atendendo à estrutura de mercado”, disse.
Questionado sobre se é realista convencer os decisores das empresas a limitar as margens de lucros, Centeno foi categórico: “É uma responsabilidade social”.
“Não consigo entender porque é que o preço do leite no mercado internacional está a cair 20% e o preço do leite em Portugal ainda não começou a ajustar desta maneira”, frisou, exemplificando ainda que, internacionalmente, o preço da energia também está a descer: “o preço da eletricidade na Alemanha estava a semana passada a cair 78%. Não são 5%, são 78%. O gás está a cair 50% a 60% nos mercados internacionais”.
Para o governador, “é preciso acomodar aqui alguma tensão também, para não ficarmos assoberbados mais uma vez por aquilo que vamos ver, mas é preciso começar a ver coisas e é preciso começar a ver os preços a cair”.
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