No relatório e contas de 2020 do banco, a que a Lusa teve hoje acesso, o presidente do conselho de administração do BIC-CV, Fernando Teles, escreve que o ano passado — marcado pelo processo conhecido como ‘Luanda Leaks’, visando Isabel dos Santos e as suas empresas — “trouxe desafios de imensa importância”.
Segundo o responsável, estes desafios “levarão, por certo, alguns anos para absorver o seu impacto na totalidade”.
“A pandemia pelo novo coronavírus (covid-19) afetou significativamente os mercados financeiros e económicas mundiais e impactou negativamente no contexto económica nacional, afetando assim a atividade do banco”, reconhece também Fernando Teles, na mensagem da administração.
O BIC-CV foi um dos quatro bancos que operavam em Cabo Verde em 2020 com autorização restrita, apenas para clientes não residentes e considerados por isso ‘offshore’, regime que, por força da alteração legal aprovada pelo parlamento cabo-verdiano terminaria no final do ano passado, mas que foi estendido pelo Governo por um ano, até dezembro de 2021, devido à pandemia de covid-19.
Segundo o relatório e contas, o BIC-CV terminou o exercício de 2020 com um resultado líquido negativo de 2.894.151,62 euros (-148,1% face a 2019), “mas mantendo, não obstante, um sólido nível de capitalização, com capitais próprios de 60,6 milhões de euros”.
“O resultado de 2020 foi penalizado pela desvalorização do dólar norte-americano, o qual originou perdas cambiais de cerca de 4,7 milhões de euros. Adicionalmente, a redução do balanço conduziu a uma perda de rentabilidade, materializada na redução da margem em cerca de 1,8 milhões de euros”, lê-se no relatório.
A administração acrescenta que para este resultado negativo contribuiu ainda “a degradação do ‘rating’ da República de Angola” – país sede do grupo BIC -, que “originou o reconhecimento de cerca de 1,5 milhões de euros de imparidade ao nível dos títulos da carteira própria, bem como cerca de 0,5 milhões de euros de imparidade ao nível das aplicações em instituições de crédito”.
Em 2019, o banco, que conta com apenas 11 trabalhadores, apresentou lucros de 6,021 milhões de euros, que cresceram 14,8% face aos 5,245 milhões de euros do exercício de 2018.
O banco fechou o exercício de 2020 com ativos de 302,7 milhões de euros (-30,4%) e com uma carteira de crédito a clientes de 35,3 milhões de euros (-3,8%), enquanto os depósitos ascenderam a 192,5 milhões de euros (-17,9%).
O BIC-CV encontra-se licenciado ao abrigo do Regime das Instituições Financeiras Internacionais, “tendo por objeto principal a realização de operações financeiras internacionais com não residentes neste Estado, em moeda estrangeira”, segundo informação da própria instituição.
O Banco de Cabo Verde (BCV) anunciou em 2020 uma inspeção ao BIC-CV — que decorreu de 29 de janeiro a 12 de março -, após informação veiculada no âmbito da investigação do Consórcio Internacional de Jornalismo de Investigação (ICIJ), processo conhecido como ‘Luanda Leaks’, que apontava que aquele banco seria alegadamente utilizado pela empresária em contratos de proveniência duvidosa.
O BIC-CV funciona desde 2013, quando, através da portaria 37/2013, de 24 de julho, o Ministério das Finanças autorizou, “a título excecional”, recorda o BCV, a aquisição, por um grupo de investidores privados, da totalidade do capital social do BPN — Banco Português de Negócios, IFI.
Isabel dos Santos detém, indiretamente, através da Santoro Financial Holdings, SGPS, SA e da Finisantoro Holding Limited, 42,5% do capital social do Banco BIC Cabo Verde, embora “não exercendo qualquer função nos órgãos sociais da instituição”, ainda de acordo com o BCV.
O ICIJ revelou em janeiro de 2020 mais de 715 mil ficheiros, sob o nome de ‘Luanda Leaks’, que detalham alegados esquemas financeiros de Isabel dos Santos, que terão permitido retirar dinheiro do erário público angolano, utilizando paraísos fiscais.
Isabel dos Santos disse estar a ser vítima de um ataque político orquestrado para a neutralizar e sustentou que as alegações feitas contra si são “completamente infundadas”, prometendo “lutar nos tribunais internacionais” para “repor a verdade”.
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