Rothschild. O apelido atira-nos para uma dinastia de banqueiros e uma tradição familiar de 250 anos. O setor bancário e financeiro é o core business que passa de geração em geração. A vela é mais que uma paixão ou um capricho de gente rica. É uma ambição que remonta a finais do século XIX e se reforçou no início deste século.
A ligação de um grupo financeiro franco-suíço ao mar e de uma saga familiar, única, começa, exatamente, em setembro de 1876, quando Julie de Rothschild “atirou” à água, no Lago de Genebra, um barco para bater recordes. Nesse momento nasceu o “Gitana” que representa o sonho de uma família abrasonada de ter o seu nome associado à indústria naval e às aventuras e competições náuticas.
O cordão que liga os Rothschild ao mar passou de mão em mão, ao longo de cinco gerações, cada qual deixando a sua marca até chegar a Edmond e ao filho, Barão Benjamin Rothschild, que, em 2000, juntamente com a mulher Arie, fundou uma equipa de competição: Gitana. A paixão náutica, aos poucos, ganhava uma nova dimensão.
Rodeado dos melhores arquitetos, engenheiros navais e velejadores, tendo desenvolvido alguns projetos, o último nesta nobre linhagem tem o nome de batismo de Gitana 17, embora quando está em competição é como Maxi Edmond de Rothschild que se apresenta.
O nome que ganha do grupo especializado em banca privada e gestão de ativos que geriu, em 2017, 182 mil milhões de francos suíços e emprega 2660 pessoas a nível mundial (Europa, Ásia e Médio Oriente).
12 milhões de euros e 650 m2 a voar pelos oceanos
O Maxi Edmond de Rothschild passou por Portugal, Cascais, vindo de Lorient, França, na Bretanha, onde esteve uns meses em arranjos (refit), porto de abrigo ao qual regressou ontem.
Num teste realizado ao largo de Cascais, o SAPO 24 subiu a bordo para testemunhar um exemplo de tecnologia de ponta e inovação náutica concentrada num monstro dos mares desenhado para bater recordes.
O inicio desta história remonta a 2015. Foram “170 mil horas construção, incluindo 35 mil horas de estudos”, recorda Cyril Dardashti, diretor-geral da equipa. “Dois anos e meio. É muito”, reforça o responsável da equipa que viu o trimarã revolucionário de 32 metros de cumprimento e 23 de largura, desenvolvido pelo arquiteto naval Guillaume Verdie estrear-se na água, a 17 de julho do ano passado.
Colocado nas mãos de Sébastien Josse, skipper francês, o Maxi Edmond de Rothschild “custou 12 milhões de euros”, adianta. A esse valor terá que se acrescentar “3,5 milhões de euros para a equipa, por ano”, continua. “Temos 60 pessoas a trabalhar o ano inteiro que vão desde a eletrónica, mecânica, meteorologia ... temos todos os especialistas, arquitetos, engenheiros, conseguimos construir um barco do princípio ao fim, temos esses conhecimentos”, descreve. Feitas as contas “não é assim tão caro. Se olharmos para a America’s Cup: 100 milhões de euros por campanha”, compara.
Os primeiros passos a bordo são um verdadeiro desafio ao equilíbrio nos 650 m2 com que se apresenta este gigante dos mares com 15,5 toneladas e com uma vela que sobe aos céus (37 metros).
Feita a apresentação da tripulação de quatro elementos, ao cockpit estava Sébastien Josse, o skipper. Por seu turno, Cyril Dardashti, tirando notas, serpenteava de um lado para o outro, sempre atento à parte tecnológica que está omnipresente nas sondas, ecrãs e no GPS. Tudo é tecnologia e inovação. “A parte instrumental do barco pode ser alimentada através de uma pá eólica e de dois conjuntos de painéis solares” presentes na popa (ré), vulgo parte de trás do barco, explica Dardashti.
Desenhado para voar e permitir que se passe da agradável sensação de leveza (a tal que o teorema de Arquimedes descreve) à levitação pura, onde a embarcação deixa de tocar na água, com exceção de um ou outro apêndice que permanecem mergulhados, foi possível ter “um cheirinho” daquilo que este trimarã é capaz.
Por breves instantes, entrou vento a 15 nós e “a besta” do mar voou a 33 nós (mais ou menos 61km/h se comparássemos com estar ao volante de um automóvel). Uma aceleração que se assemelha do ponto de vista sensorial à descolagem de um avião. Suspenso no oceano, a ilusão de voar é real, assim como a incrível estabilidade. Porque faltam palavras, e porque a sensação é para ser vivida, por isso, não se consegue descrever. Tem que se sentir.
Virar ou parar um barco a esta velocidade não é fácil. “Se virares bruscamente o leme é como estivesses sentado no teu carro e derrapas”, alerta Sébastien Josse.
Dar a volta ao mundo em solitário, ganhar e bater recordes
O Maxi Edmond de Rothschild assume-se como uma montra tecnológica em andamento que procura ganhar competições e, se possível, bater recordes. “Quando estamos na regata não estás tanto a pensar nos recordes. Competes para ganhar. Depois se conseguires o record a alegria é dupla”, explica Cyril Dardashti, diretor-geral da equipa Gitana.
Até à data o Gitana 17 competiu no Transat Jacques Vabre 2017, epopeia que ligou a cidade francesa de Le Havre a Salvador da Baía, Brasil, e que teve inicio no ano passado, no dia 5 de novembro. Na competição participam dois velejadores demonstra a polivalência do barco que “é adaptável a uma equipa ou solitário”. Não venceu devido a problemas verificados na embarcação.
A próxima paragem deste barco que é muito mais que um assunto da família Rotschild é a 40.ª edição Rota do Rum, mítica regata transatlântica que ligará a partir de 4 de novembro Saint-Malo, na Bretanha (França), a Guadalupe, nas Caraíbas. “É para ganhar”, garante. A prova é em solitário.
“32 metros em comprimento e 23 metros de largura, estamos no limite do jogo, de navegar em solitário”, alerta. “Estudámos com o Sébastien todas as manobras”, frisa. “A única coisa que ajudamos é com a previsão meteorológica. Ele tem tanta coisa para se ocupar...”, acrescenta.
Depois as baterias apontam a 2019 e à tentativa de bater um recorde de “42 dias” da volta ao mundo à vela em solitário. “Depende do tempo, mas acho que conseguiremos fazer melhor”, promete.
Organizada a parir de Brest (França), “é a primeira vez no mundo da vela neste tipo de regata e será interessante ver como os velejadores solitários conseguirão fazer a corrida”, antecipa Cyril Dardashti, diretor-geral da equipa Gitana e do Maxi Edmond de Rothschild.
Fim de conversa coincidiu com fim de treino. Numa manobra demorada, com direito a ajuda de um bote debaixo do barco, o trimarã de 12 milhões de euros, quase 16 toneladas, 32 metros de cumprimento e 23 de largura, atracou na marina de Cascais.
Em terra, à espera, uma pequena comitiva liderada pelo diretor-geral do banco de barões em Portugal que tem o nome de um presidente que lidera um clube desportivo que é conhecido por ter na génese Viscondes. Nada mais, nada menos que Bruno de Carvalho. “Nem imagina quando estou ao telefone com call centers”, sorri.
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