Uma incursão na disciplina de história serve de aperitivo antes de se avançar na escrita sobre futebol, Braga, Roma, Carlos Carvalhal, Paulo Fonseca e Liga Europa.
Por razões de sorteio da UEFA, o jogo 150 do Sporting Clube de Braga nas competições europeias, colocou a Associazione Sportiva Roma, no Estádio Municipal de Braga, no jogo da primeira mão dos oitavos de final da Liga Europa.
Para além do duelo inédito entre o clube minhoto e a formação da capital italiana, o encontro tinha, à vista desarmada, outro aliciante. O regresso de Paulo Fonseca à Pedreira para defrontar, pela segunda vez na sua carreira, o clube onde levantou uma Taça de Portugal (2015-2016), a primeira, por sinal, do emblema liderado por António Salvador.
Mas as ligações entre Braga e a outrora capital do Império Romano não se limitam ao banco das duas equipas. Ou não tivesse a cidade, como origem no século 16 a.c, sido batizada de Bracara Augusta, estando, por isso, ligada, umbilicalmente, ao imperador César Augusto. A cidade foi capital da Galécia e a partir dela foram desenhadas Vias Romanas que ligavam um vasto território da Península Ibérica, do Douro ao Cantábrio.
Num salto gigantesco no tempo, e mudando de campo de análise, o crescimento interno, e fora de portas, do centenário Braga (finalista vencido da Liga Europa) levou, um pouco à imagem dos “Três Grandes” portugueses, a criar um símbolo que fosse um pouco mais além da candicidade do emblema com a representação da Cidade dos Arcebispos no escudo colado junto ao coração das camisolas arsenalistas.
Ora, quis o destino que a imagem, e nome, “Guerreiros do Minho” se tivesse inspirado em vestes romanas, com os adeptos (e jogadores) a vestirem a pele de uma legião de guerreiros que sobe às arenas de Portugal e na Europa.
Já agora, e porque ainda é de história que estamos a escrever, a Roma, clube, fundada em 1927, leva no escudo a representação da Loba a alimentar os gémeos Rômulo e Remo, imagem da Roma, urbe. Tudo pintado sobre fundo amarelo e encarnado (daí o cognome de os “giallorrosi”).
A mascote oficial do clube italiano, não assume, no entanto, qualquer imagem bélica. É um boneco, em forma de lobo, que tem nas costas "753 A.C", ano de fundação da cidade.
Feito o introito, vamos ao que interessa e falemos então de bola.
Uma legião de internacionais romanos
Na antevisão do jogo, Carlos Carvalhal, aludiu ao poderio romano. "Vamos defrontar uma grande equipa, uma equipa que quando há paragens internacionais o treinador fica sozinho. Tem 18 internacionais A”, disse.
A par no percurso pontual (13 pontos) na fase de grupos da Liga Europa e na tabela classificativa das respetivas competições domésticas, os dois onzes apresentaram algumas surpresas.
Nico Gaitan, o “Guerreiro” vestido de Top Gun que chegou no início da época, sobrevoando os caminhos aéreos até à Pedreira, foi a aposta de Carvalhal. Do lado da Roma, o médio defensivo Diawara era a surpresa num onze com os tais internacionais Dzeko (Bósnia), Mkhitaryan (Arménia), Spinazzola (Itália), só para citar alguns, para além de Cristante, médio com passagem efémera pelo Benfica, que nem chegou a aquecer — saiu lesionado ainda não tinham sido contabilizados os dedos das duas mãos.
O jogo não podia começar pior para o Braga. A frio, aos 5 minutos, dois dos citados internacionais do clube italiano, inauguraram o marcador.
Os arsenalistas perderam a bola no meio campo, demoraram a reorganizar-se e a fechar o corredor direito. O espaço aberto foi aproveitado por Spinazzola que colocou a bola na ponta do pé do gigante bósnio. Edin Dzeko encostou a bota, ao de leve, e levou a bola a abanar as redes de Matheus.
A simplicidade italiana
Processos simples e eficácia italiana no (primeiro) golfe desferido ao adversário.
A estratégia de Paulo Fonseca, três centrais, obrigava o Braga a jogar fora do seu ADN, abusando de lançamentos longos para Sporar e Fransérgio. A simplicidade geométrica do rápido ataque romano colocava, a cada aceleração de jogo, a defesa bracarense em sentido.
À passagem da meia hora Ricardo Esgaio mergulha na relva e evita o segundo golo (remate de Mkhitaryan no interior da área). Um par de minutos depois, o defesa direito faz uma falta escusada sobre o veterano avançado arménio, numa jogada em que foi assinalado fora de jogo. Logo admoestação escusada.
A Roma chegaria, de novo, à baliza de Matheus, por intermédio do espanhol Pedro Rodriguez, num lance anulado por posição irregular. Pela via das dúvidas, do árbitro ou do VAR, o guarda-redes brasileiro ofereceu o corpo ao manifesto.
Em vantagem nos primeiros 45 minutos, a Roma de Paulo Fonseca regressou do balneário com a mesma lição que tinha aplicado no primeiro tempo. Posse de bola (ocupam o 3.º lugar do ranking da Liga Europa neste capítulo) e circulação da mesma, sem acelerar e comprometer a linha defensiva.
A muralha romana esteve quase a ser derrubada no reatar da partida. Sporar ainda pediu grande penalidade num encosto de Ibañez, dentro da área, mas o máximo que o avançado esloveno emprestado pelo Sporting conseguiu foi colocar o central romano no estaleiro. Paulo Fonseca foi obrigado a puxar pela imaginação para refazer o trio defensivo, recuando os laterais.
Uma baixa nos Guerreiros do Minho
Quando se pensava que o Braga poderia aproveitar o improvisado novo desenho das linhas atrasadas romanas, Esgaio comprometeu. Num momento de aceleração forasteira, foi apanhado em contrapé, fez uma placagem alta e viu o segundo amarelo, e correspondente encarnado.
Para ocupar o corredor direito, Gaitan deu o lugar a Zé Carlos.
Em vantagem numérica, a Roma levava a bola a dançar de um lado para outro do terreno, anestesiando o adversário até introduzir a bola na baliza, num lance, mais um, invalidado pelo VAR, por fora de jogo do avançado arménio.
À entrada da última meia hora de jogo, Carlos Carvalhal opera dupla mexida. Tira Sporar e Ricardo Horta e lança Lucas Piazon e Abel Ruiz. Uma alteração que escondia melhor capacidade de segurar a bola e mais agressividade no ataque.
No jogo de estratégia, o antigo treinador do Braga impunha o jogo da paciência à sua equipa. Calculista, a Roma procurava a baliza adversária sempre sem destapar os homens mais atrasados.
Numa das acelerações italianas, um passe de Spinazzola atravessa toda a zona de baliza, encontra um Dzeco esticado que só não aumentou a vantagem porque Matheus encheu a baliza e tapou todo e qualquer ângulo de entrada.
Já com Borja e André Horta em campo, o Braga chega mais vezes à baliza da Roma. Os italianos diga-se, pareciam não querer matar o jogo, embora beneficiassem de vantagem numérica desde o minuto 53.
Congelar o adversário antes do golpe de misericórdia
O jogo decorria a uma temperatura próxima da congelação até que aos 85 minutos Borja Mayoral fez o que se pede a um ponta de lança. Marcou o segundo golo da Roma.
A jogada foi toda ela desembrulhada por Mkhitaryan, um verdadeiro dínamo do ataque romano. Recuou, pegou na bola, pensou, acelerou, passou a Veretout, um passe que rasgou a defesa portuguesa. O francês, sozinho, na direita, entregou para o golpe de misericórdia romano perpetrado pelo avançado espanhol emprestado pelo Real de Madrid.
Ponto final na partida que haveria de ter sete minutos de descontos.
Para a história, acrescentamos uns dados estatísticos.
O Braga sofre a primeira derrota em casa diante equipas italianas. A Roma, por sua vez, soma a terceira vitória em solo português na nona viagem até ao lado mais ocidental da Península Ibérica.
Por fim, Paulo Fonseca, que já antes tinha saboreado uma vitória na Pedreira, enquanto treinador forasteiro, em 2016, na fase de grupos, então ao serviço do Shakhtar Donetsk (vitória por 4-2), volta a ter razões para sorrir no sítio onde já foi feliz.
Daqui a uma semana, todos os caminhos vão dar a Roma. O Braga parte com uma missão quase impossível de reverter o resultado, tentando repetir a história mais recente. Ganhou as três últimas eliminatórias a duas mãos diante de conjuntos da Serie A, tendo deixado pelo caminho Chievo e Parma (2006/07) e, mais recentemente, a Udinese no "play-off" da UEFA Champions League de 2012/13.
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