Quando, no primeiro dia do mês de novembro de 2011, Garret McNamara surfou uma onda de 23,77 metros na Praia do Norte, na Nazaré, batendo o recorde mundial do Guinness, a costa portuguesa nunca foi a mesma. O surf passou a ser o novo chamariz do desporto no mar, em especial na costa oeste.
Mas em Lagos, na costa sul, onde o mar consegue ser quase tão plano como a superfície de um espelho, tirando proveito da calma da água e de uma nortada forte, já afinada pela barreira natural que se forma a oeste, pelo cabo de Sagres, imperou a escolha da náutica.
Foi nesta cidade algarvia que decorreu na semana passada o campeonato da Europa da classe Moth, um evento organizado pelo Clube de Vela de Lagos. O italiano Francesco Bruni foi o grande vencedor, numa prova em que se cumpriram apenas quatro regatas, tendo sido só possível competir no primeiro dia, devido a condições atmosféricas atípicas.
Francisco Andrade, o melhor português na prova - terminou em quarto lugar -, deu voz ao azar com o tempo e salientou a qualidade de Lagos enquanto “uma das capitais para fazer regatas em 'foil'”.
“É um sítio espetacular, com mar chão e vento forte, tudo do melhor. A organização tentou ao máximo e fez tudo o que podia, mas este é um desporto em que dependemos do mar e do vento e o rei Poseidon não esteve do nosso lado. Foi uma semana atípica em Lagos. Acho que saem todos tristes por não terem velejado mais, mas felizes por conhecerem este local fantástico", sublinhou Andrade.
A nova oportunidade para rasgar o vento e o mar de Lagos já tem data marcada, para o final deste mês de junho, entre os dias 26 e 30, desta vez numa prova de GC32, na primeira etapa da Racing Tour.
“Os desportos náuticos ainda são desconfortáveis”
O cenário acima descrito parece fazer de Lagos a capital da vela em Portugal, mas essa é uma imagem que nem sempre é fácil sustentar. Numa cidade em que “toda a gente está a um quarto de hora, a pé, da água”, com condições privilegiadas, Ingrid Fortunato, diretora da marina de Lagos e antiga velejadora, que em 1997 chegou a ficar em terceiro lugar no campeonato do mundo na Classe 420, com o marido, Martinho Fortunato, depois deste último ter sido campeão do mundo na mesma categoria, lamenta que “os desportos náuticos ainda sejam desconfortáveis”, mesmo para as gentes de Lagos.
Ingrid diz que é difícil cativar as crianças na escola onde a vela, por exemplo, integra o currículo do Desporto Escolar. “O meu filho mais velho tem 18 anos, a minha filha tem 15 e o meu mais novo tem 13. Disse-lhes: falem com os vossos colegas de turma. Houve dois colegas que experimentaram e ficaram”, conta, explicando que, a par do marido, é também treinadora dos filhos, dois dos quais se apuraram pelo segundo ano consecutivo para o Mundial absoluto da Classe 420.
Isto acontece “sobretudo porque há muita a resistência dos pais: os miúdos vão para o clube de vela muitas vezes a dizer ‘a minha mãe disse que eu estava constipada', 'a mãe disse que estava frio'. É uma resistência ao mar quase genética, mas que tem de acabar. Hoje em dia, aqui em Lagos, a atividade piscatória não é uma coisa enorme, já não há essa nuvem de mortes no mar. Temos de ultrapassar isto”, diz a antiga velejadora, ao mesmo tempo que aponta o dedo a uma estratégia nacional que negligencia o mar na vertente desportiva ou que apenas dá atenção ao crescimento do surf.
“Ainda em janeiro a Câmara [de Lagos] organizou um seminário sobre turismo náutico, vieram representantes do governo e do Turismo Portugal, e do que é que falaram? Do surf”, exemplifica.
A Câmara Municipal de Lagos, em associação com parceiros estratégicos como o Clube de Vela de Lagos, a Sopromar, o estaleiro de reparação náutico, ou a marina de Lagos, abraçou o desafio na vertente do desporto náutico, acreditando ser uma mais-valia “económica, turística e, acima de tudo, um aproveitamento do potencial natural da baía e do vento”, diz Hugo Henrique Pereira, vice-presidente da Câmara, ao SAPO24.
“O mar é muito discutido, é uma grande aposta, pelo menos em teoria, do país, mas por vezes não se vê isso efetivado. Fica no papel a ideia da aposta no mar. Mas nós, em Lagos, estamos a querer fazer diferente”, sublinha o autarca.
Hugo Henrique salienta que nestes casos o que tem maior impacto é a imagem da própria cidade, “é a facilidade de mostrar imagens magníficas que enchem os ecrãs por onde passam” e que acabam por atrair pessoas para Lagos, venham elas pela náutica ou não.
A prova rainha que se fez âncora do desafio do desporto náutico
Com a “prova rainha de GC32” na agenda, pelo segundo ano consecutivo, a ambição do município no desafio que é essa aposta no desporto náutico vira-se para a construção de um centro náutico com uma componente mais desportiva, de forma a lançar o clube de vela e melhorar as condições para, no futuro, receber mais e maiores eventos.
No entanto, o vice-presidente confessa que muitas vezes a Câmara se sente “um bocadinho isolada”, contando com o apoio de parceiros privados e sentindo a falta de apoio estatal.
“O potencial desta prova nem sempre tem sido reconhecido por quem está acima de nós, quer numa ótica de turismo, quer a nível financeiro, uma vez que ainda não recebemos o apoio que consideramos ser necessário para que este evento dê um pulo maior”, lamenta o autarca, que sublinhou que, apesar de a prova ainda estar no início, Lagos não irá abdicar da terceira edição e que daqui a um ano espera poder contar com “uma chancela do governo de Portugal mais efetiva”.
O autarca assume mesmo que gostava que a edição deste ano da prova de GC32 “servisse para que pudéssemos numa terceira prova passar das palavras aos atos. Percebemos que nem sempre o governo consegue ir a tudo, mas achamos, sem qualquer margem de dúvida, que esta prova é de ser aproveitada”, sublinha.
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