Mas, por trás dos holofotes, dos sumptuosos carros alegóricos e das danças sensuais, as instruções de Paulo Roberto são a razão pela qual o Carnaval tem a eficiência e a precisão que parece faltar em muitos outros aspectos deste enorme e conturbado país. Escondido na sua pouco glamourosa camisola, Roberto, de 50 anos, é um dos membros do Salgueiro encarregado de garantir que os componentes da comitiva cheguem a tempo e saibam onde ir. "Estamos aqui para que todo o mundo esteja em seu lugar", explicou enquanto a escola se preparava na segunda-feira para desfilar pelos 700 metros do Sambódromo, na segunda noite dos desfiles da elite do Carnaval.
Os integrantes da equipa de disciplina participam no complexo processo de colocação para o desfile, caminham apressados enquanto os bailarinos passam pelo Sambódromo e ajudam-nos a sair da Avenida quando termina o espetáculo. "Somos como guias", afirmou. Com os 3.500 participantes no desfile do Salgueiro em preparação, muitos deles usando os mais variados tipos de fantasia, seis carros alegóricos que evocavam desde os Jardins da Babilónia até um palácio e diante de 70 mil espectadores, Roberto ainda tem muito trabalho pela frente.
Luta contra o tempo
A produção das escolas de samba é um milagre de organização que transforma milhares de dançarinos amadores vestidos com fantasias feitas à mão num espetáculo equivalente aos que se programam nos grandes teatros e óperas do mundo. Ao contrário do que frequentemente ocorre no Brasil, os desfiles começam pontualmente e as regras estipulam que não devem duram mais de uma hora e vinte minutos exatos.
O trabalho, contudo, começa pelo menos seis meses antes com os ensaios, a angariação de fundos, a escolha e composição da música, além da confecção das elaboradas fantasias. Os pequenos e importantes detalhes que exigem cuidados são infinitos. Apenas horas antes de sair e desfilar com o Salgueiro, Olga Braga, de 53 anos, continuava a costurar a sua enorme saia vermelha e preta. "Só para reforçá-la", assegurou. Perto dali, um grupo de adolescentes varria o piso dos carros alegóricos, enquanto homens com camisas vermelhas cuidavam da ordenação da pilha de tambores que usariam mais tarde os 300 membros da bateria.
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Espontaneidade estudada
Uma vez começado o desfile, os membros das escolas enfrentam o grupo de 40 juízes que, como em todo o mundo do samba, obedece a um regulamennto rígido. Do ponto de vista desta exigente avaliação, um espaço muito grande entre as alas do desfile pode ser uma tragédia. Se a bateria perder o ritmo, ainda pior. Houve anos, inclusive, nos quais os carros alegóricos ficaram grandes demais para circular pelo Sambódromo devido a um cálculo errado. Embora o momento mais complicado seja o da concentração antes do desfile, afirmou Paulo Lapa, de 47 anos, um dos coordenadores da escola Vila Isabel, que também passou pelo Sambódromo na segunda-feira. "Aqui é quando é mais fácil que as coisas saiam errado", contou, rodeado de uma multidão de bailarinas que colocavam as fantasias na rua. "Uma vez que saímos para a avenida é quase automático, porque ensaiamos muito", completou.
Leonardo Sardou, um dos diretores dos carros alegóricos desta escola, considera que a intensa preparação - normalmente uma vez por semana durante um período de entre seis meses e um ano - é a chave. "Temos quase 5.000 pessoas envolvidas e o mais importante é que todo mundo tenha o mesmo objetivo e que ninguém faça nada só pensando em si mesmo", explicou. "O desfile é espontâneo, mas não pode ser totalmente". Questionado sobre o segredo da mestria brasileira para o Carnaval, Lapa respondeu rapidamente que lhes está no sangue. "O Brasil é um país com tantos problemas que pode ser difícil acreditar que podemos fazer isto", afirmou. "Mas é nossa tradição profunda", conclui.
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