Diário de um pai em casa. Dia 29


Por estes dias, rendido pela curiosidade, observo o esforço notável de comunicação global que tem epicentro na Praça São Pedro, no Vaticano.

A contemplação e admiração, em crescendo, estão num homem em particular. O Papa Francisco. Um Papa que fez de mim, um ateu confesso, olhar para a Igreja Católica como nunca o tinha feito até ao início do seu pontificado.

Talvez, tenha sido a sua paixão pelo futebol e por um clube, San Lorenzo (Argentina), tema tão mundano e global, que me cativou. Sim, foi essa a razão do amor à primeira vista. Mas a paixão depressa se revestiu de outra fé. Por causa das posições que tem assumido e está a tomar num mundo que padece de líderes e lideranças.

Todo o meu agregado familiar, filhos e mulher, são católicos praticantes. Por isso, nestes dias, mais do que nunca, observo-os, um pouco à distância, na forma como acompanham o Papa Francisco. As homilias, e, em particular, a oração e a bênção urbi et orbi, oração pela humanidade. A Praça São Pedro despida de fiéis, mas repleta de significado, e Francisco a falar para o mundo, é uma imagem que perdurará, para sempre, em mim.

Ontem, porque os nossos dias também começam nas madrugadas, permaneci acordado, sozinho, na sala. A casa dormia e eu queria ver, às escondidas, a Via-Sacra. Sozinho. Sem ninguém saber.

Aproximei-me do ecrã que tem sido tapado pela família. Detive-me a olhar para a escuridão da Praça São Pedro. Para o Papa. Para as sombras e para a luz da das tochas. Para Jesus Cristo, o relógio e para a Cruz. Para os dois grupos que circundaram o obelisco central, entre eles um ex-recluso e o diretor de uma prisão em Pádua, forças de seguranças, médicos e enfermeiros do Vaticano.

Detive-me a escutar, por vários e longos minutos, as mensagens ao longo das 14 estações. Estava longe de saber o que se iria passar. Desliguei o som. Mantive o olhar. Um olhar que rodou, lentamente até à oração (silenciosa, vim a saber hoje) do Papa Francisco, enquanto recebia e segurou a cruz na última estação.

Pouco mais se pode acrescentar num dia assim. A não ser uma casualidade.

Depois de uma corrida matinal, encontrei, na rua, em Campo de Ourique, um dos miúdos que treino no escalão sub-10 de râguebi. O Salvador estava a correr com o pai.

Sem medo, como se comporta em campo, avançou, a rir, até mim ao som de “então Morgado”. Vinha para me dar um aperto de mão aberta. Travei o meu impulso de lhe dar um abraço. Ele não teve medo, do medo. E eu não tive medo, de ter medo. Fi-lo, não por mim. Por ele e por todos.

O abraço virá, quando a fé que deposito na ciência, na medicina, e também na política e na economia, der os passos que nos devolvam a normalidade. Até lá, vou, entre outros, ouvindo o Papa Francisco.