Desconhecido da grande maioria da opinião pública, Paulo Raimundo foi eleito para substituir Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP em 12 de novembro de 2022, na Conferência Nacional do partido organizada em Corroios, distrito de Setúbal, tornando-se no quarto líder comunista desde o 25 de abril de 1974.
Desde então, Paulo Raimundo desdobrou-se em entrevistas e em deslocações por todo o país - segundo o PCP, já esteve em 66 concelhos e percorreu todos os distritos -, procurando associar o Governo às políticas de direita de PSD, CDS, Chega e IL e acusando-o de favorecer os grupos económicos.
Em empresas, piquetes de greve, feiras ou centros de saúde, o dirigente do PCP tem insistido na necessidade de dar resposta aos problemas da população - designadamente através do aumento dos salários e das pensões, do combate à crise na habitação e à inflação, e do reforço dos serviços públicos -, e alertado para uma “situação social explosiva”.
Num contexto de “drama social”, como costuma defender, o líder comunista apelou à mobilização dos cidadãos para forçar o Governo a tomar medidas, solidarizando-se com as greves convocadas por vários sindicatos e setores - como os professores, função pública ou médicos - e associando-se a manifestações organizadas por movimentos como o “Vida Justa” ou “Casa para Viver”.
Paulo Raimundo foi também insistindo na necessidade de uma “política alternativa, patriótica e de esquerda” e, em entrevista ao Diário de Notícias em janeiro, admitiu integrar um Governo do PS que assuma esse tipo de políticas, numa altura em que ainda não se previa qualquer antecipação de eleições.
A nível internacional, Paulo Raimundo foi a Cuba, China, Suíça e à Bélgica, tendo tido também encontros bilaterais com os presidentes do Brasil, Lula da Silva - antes de este tomar posse, mas já depois de eleito - e de Cuba, Miguel Díaz-Canel.
Foi também pelas suas posições a nível internacional que o PCP foi alvo das maiores críticas dos restantes partidos, em particular devido ao seu posicionamento sobre a guerra na Ucrânia.
Depois de, inicialmente, Raimundo parecer ‘suavizar’ a posição do PCP sobre a guerra - ao considerar que era “uma invasão”, contrariamente a Jerónimo de Sousa -, o partido opôs-se, posteriormente, à ida do Presidente da República a Kiev e, pela voz da líder parlamentar Paula Santos, defendeu que o Governo ucraniano é “sustentado em forças de cariz nazi” e “assassina a população”.
Já a nível interno, Paulo Raimundo assumiu como desígnio tornar o PCP “ainda mais ligado à vida”, conforme as conclusões adotadas pelo partido na Conferência Nacional, e foi pedindo aos militantes que “tomem a iniciativa” e não esperem que lhes “batam à porta”.
Em entrevista à Lusa pouco depois de tomar posse, considerou também que uma parte dos comunistas que deixaram o partido em 2000 “fazem falta”, no que foi visto como uma reaproximação aos renovadores.
No entanto, acabou por relativizar estas suas primeiras declarações, salientando que o que pretendia era deixar um apelo às pessoas que saíram ou se afastaram “por se chatearem com esta ou aquela posição do partido” e não reabrir um debate que ocorreu em 2000 e está “arrumado”.
No seu primeiro embate eleitoral, em setembro, a CDU conseguiu manter a representação eleitoral na Madeira, com um deputado, mas aumentou o número de votos: dos 2.577 registados em 2019, passou para 3.677 (o que, em percentagens, significou um aumento de 1,80% para 2,72%).
Agora, com a convocação inesperada de eleições legislativas antecipadas, Raimundo disse à Lusa ser “um privilégio” e uma “alegria imensa” estar à frente do PCP e garantiu estar preparado e “muito confiante” num bom resultado da CDU.
Raimundo assume “alegria imensa” por liderar partido nas legislativas
O secretário-geral do PCP faz um “balanço muito positivo” do seu primeiro ano à frente do partido, apesar de considerar que ainda há “muito por fazer”, e assume uma “alegria imensa” por liderar os comunistas nas próximas eleições legislativas.
Em declarações à Lusa sobre o seu primeiro ano de mandato enquanto secretário-geral do PCP, que se assinala este domingo, Paulo Raimundo disse que “passou muito rápido e parece que foi ontem”.
“É um balanço muito positivo, muito intenso, muito ligado ao concreto, à vida, com uma boa resposta do meu partido à situação muito difícil e exigente que está colocada. Estou satisfeito, mas com muito, muito por fazer”, afirmou.
Segundo o secretário-geral do PCP, “tomar a iniciativa” e reforçar o contacto com as populações e os seus problemas era precisamente uma das conclusões assumidas pelo partido na Conferência Nacional de novembro de 2022, na qual tomou posse.
“Estamos longe daquilo que gostaríamos, mas estamos no caminho certo. Não concretizámos as conclusões todas por inteiro da Conferência, mas estamos a ir no caminho certo desta maior ligação às populações, aos seus problemas”, referiu.
Paulo Raimundo salientou que o PCP não quer apenas constatar os problemas das populações, mas também “intervir sobre eles”, e referiu que o partido defende que “a realidade da vida não tem nada a ver com a propaganda que é vendida”.
Salientando que são necessárias “soluções para a vida” da população, Paulo Raimundo considerou que as eleições legislativas antecipadas vão ser “uma oportunidade de abrir caminho para a alternativa que se impõe e que só é possível garantir com o reforço da CDU e do PCP”.
“Não quero antecipar prognósticos nem avaliações, mas estamos muito confiantes, porque estamos neste contacto com as pessoas, estamos ligados aos problemas. As pessoas sabem que aquilo que fazemos e dizemos têm correspondência com a realidade delas”, referiu.
Paulo Raimundo disse ser “um desafio enorme” e uma “alegria imensa” liderar o PCP nestas eleições legislativas.
“É um privilégio, com a consciência de que, num partido como o PCP, a figura do líder, vou-lhe chamar assim, tem a importância que tem. É importante, mas não é nada sem o coletivo partidário a funcionar, e é por isso que eu estou muito entusiasmado e confiante: pela resposta que o coletivo partidário está a dar e vai dar”, frisou.
Paulo Raimundo foi eleito para substituir Jerónimo de Sousa como secretário-geral do PCP em 12 de novembro de 2022, na Conferência Nacional do partido organizada em Corroios, distrito de Setúbal, tornando-se no quarto líder comunista desde o 25 de abril de 1974.
Historiador José Neves diz que Raimundo se afirmou “com muita tranquilidade”
O professor universitário e historiador José Neves considera que Paulo Raimundo se afirmou “com muita tranquilidade” como secretário-geral do PCP, beneficiando de semelhanças com Jerónimo de Sousa e “identificando-se muito” com a imagem que a população tem do partido.
Em declarações à agência Lusa, José Neves, ex-militante comunista, considerou que, apesar de ainda ser cedo para se fazer um balanço sobre a liderança de Paulo Raimundo, por ainda não ter tido nenhum momento de “grande exposição pública”, as expectativas não eram “muito altas”, mas “não foram defraudadas”.
O historiador considerou que ficou cedo comprovado que a questão do desconhecimento de Paulo Raimundo era “contornável facilmente”, com aparições mediáticas “bem conseguidas”, e beneficiando das semelhanças com o perfil de Jerónimo de Sousa.
“Há elementos de continuidade com a figura de Jerónimo de Sousa, nomeadamente no trato, na afabilidade, na simpatia que a figura pode despertar, e acho que isso foi importante para a afirmação do próprio”, indicou José Neves, presidente do Instituto de História Contemporânea da Universidade Nova de Lisboa e coordenador da antologia “PCP 1921-2021”, da Tinta-da-China.
Para o historiador, as desconfianças iniciais com Paulo Raimundo foram parecidas às que houve com Jerónimo de Sousa que, quando foi eleito secretário-geral do PCP em 2004, também gerou “grande apreensão sobre o declínio eleitoral que se seguiria por ser uma personagem conotado com posições ortodoxas e ser alguém de extração operária”.
Mas, “a determinada altura, não conseguimos dissociar o PCP - nos seus sucessos e insucessos - da trajetória de Jerónimo de Sousa. Acho que, desse ponto de vista, a liderança de Paulo Raimundo também conseguiu identificar-se muito com a imagem que nós temos do PCP”, disse.
Para José Neves, Raimundo conseguiu afirmar-se na liderança do PCP com “tranquilidade e serenidade”.
“Resta saber se o PCP e se a situação do país não pedem mais, se o declínio que o PCP vem tendo não requer mais do que uma resposta tranquila e serena”, disse.
Questionado se notou alguma inflexão nas prioridades políticas do PCP com a mudança de liderança, José Neves respondeu que a trajetória inicial de Jerónimo de Sousa como secretário-geral se inscreveu numa “história interna de ajuste da linha do partido, na sequência dos debates entre renovadores e ortodoxos”.
“Depois demarcou-se disso, ou ganhou uma autonomia clara em relação a isso. Creio que a chegada de Paulo Raimundo representa claramente um virar de página em relação a essa questão e, aliás, os sinais de abertura que ele deu vão nesse sentido”, salientou.
Para José Neves, essa “reabertura de portas” mostra que o PCP é hoje um partido “muito seguro da sua identidade”.
“Isso dá alguma segurança para que se perceba - e, se eu bem percebo, é esta a mensagem de Paulo Raimundo - que há desafios ao partido que estão muito para lá e que são muito mais discretos, mas mais profundos, do que esta questão de estar aliado aqui ou ali”, observou.
Esses desafios, prosseguiu, prendem-se sobretudo com a “revitalização da vida do partido, não tanto nas dimensões institucionais e mediáticas, mas na sua ligação aos territórios, aos locais de trabalho”.
O historiador considerou que uma das principais mensagens de Paulo Raimundo tem sido a de que é preciso que os membros do partido “tomem a iniciativa” e façam “algo mais” além das rotinas militantes.
“Eu acho que é desse ponto de vista que há uma viragem [quando comparado com Jerónimo de Sousa]. O partido pode manter-se profundamente fiel à sua ideologia, mas há aqui uma espécie de dimensão antropológica da vida militante que, enquanto coletivo, teria de mudar. É assim que eu leio, pelo menos, as primeiras intervenções” de Paulo Raimundo, referiu.
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