Portugal vai, afinal, ter direito a uma pequena fatia dos 7,5 mil milhões de euros do recém criado Fundo de Transição Justa, que irá apoiar as regiões mais afectadas pelo novo pacto de sustentabilidade ambiental, o Green Deal, e ajudar a minorar os impactos negativos da mudança para uma economia mais verde.
O valor final está agora a ser discutido, já que esta é uma negociação recente, mas é certo que será distribuído pelos 27 Estados-membros. Por pouco que seja, é uma vitória, já que inicialmente países como Portugal ficariam de fora.
A distribuição do montante global terá em conta diversos critérios. Em primeiro lugar, foram analisadas todas as regiões da Europa onde o peso das emissões atmosféricas comparado com a sua base industrial é acima da média e onde se regista uma grande dependência de emprego ligado a minas e outras indústrias extrativas que deverão encerrar no curto/médio prazo.
"Isso dá-nos para cada país um peso, uma intensidade do problema", explica a comissária da Coesão e Reformas, Elisa Ferreira. "Aplicados diretamente, estes critérios davam valores muito díspares", mas agora "países com um problema relativamente menor acabam por ter um mínimo de apoio", enquanto "países que tinham uma intensidade excessiva tiveram uma limitação". Tudo porque se juntou um terceiro elemento: "Porque tem base regional, os resultados preliminares deste processo foram corrigidos na base da prosperidade nacional. Isto é, os países que têm mais condições de resolverem os problemas por si, porque têm uma riqueza maior, têm proporcionalmente menos apoio do que os países que têm mais dificuldades", os mais pobres.
Foi com base no critério da prosperidade nacional que Portugal, como outros países, conseguiu argumentos para ficar com uma fatia, ainda que pequena, de um bolo do qual estava excluído à partida.
É que inicialmente, na resolução de 2018, sob proposta de um deputado polaco, a ideia era apoiar a reconversão das minas de carvão. Mas o mecanismo foi evoluindo, abrangendo numa segunda fase as indústrias altamente poluentes.
"Aquilo que a Comissão propõe neste momento é algo bastante mais equilibrado: todos os países vão ter acesso [ao fundo] proporcional à dimensão do problema, visto na perspectiva do impacto regional das alterações produtivas de descarbonizarão, chamemos-lhe assim", afirma Elisa Ferreira. "Este fundo vai ajudar os países a atacar esses problemas, e já não está limitado às regiões carboníferas, mas também abrange indústrias ou actividades que tenham uma grande intensidade de emissões atmosféricas e que, por esse motivo, ao ajustarem-se ao novo modo de produzir irão provavelmente libertar muita mão-de-obra". "Acabamos por ter um instrumento, que é um instrumento abrangente [...], que permite atacar dentro de cada país problemas específicos".
Mas há regras para a utilização deste dinheiro. Para começar, o Fundo de Transição Justa tem de ser utilizado em conjunto com verbas já existentes em cada país, vindas do fundo de coesão (incluindo Fundo Social Europeu) e fundos regionais, cujo valor é limitado. "A combinação desse montante com os fundos que vêm dos envelopes nacionais e com a comparticipação nacional prevista de acordo com as regiões, perfaz um pacote que a nível europeu pode oscilar entre 30 mil milhões a 50 mil milhões de euros", esclarece a comissária, acrescentando que o pacote "vai permitir uma alavancagem que vem do chamado Invest EU e da facilidade de empréstimos do BEI [Banco Europeu de Investimento] ao país em causa", que passarão a ter prioridade.
Reconversão de Sines ou do Pêgo podem estar na agenda
E se a pergunta é que região de Portugal pode ser candidata a este fundo, aqui fica a resposta: "Podem ser várias regiões, mas em particular a reconversão de Sines ou do Pêgo são hipotéticas. Não me cabe a mim dizer o que Portugal pode ou não candidatar, mas a boa notícia é que Portugal passa a ter um envelope. Não será um envelope muito volumoso, porque felizmente tem vindo a fazer uma trajetória que lhe permite estar numa posição interessante em termos de carbono, mas mesmo assim está incluído. Cabe ao país, ao governo, definir que projectos pretende candidatar, sendo que essas regiões, ou sub-regiões, resultarão de uma negociação, um diálogo, entre aquilo que é a proposta da Comissão também nas recomendações para o país, que são feitas no âmbito do semestre europeu, e a escolha do próprio país, que vai ter de apresentar um plano de transição para essas regiões, explicando o que quer e como quer fazer e quais os fundos que quer utilizar para tal [para combinar com o FTJ]. Esse plano tem de ser coerente com o plano mais global a nível nacional da transição ecológica e climática".
7,5 mil milhões de euros podem parecer uma gota de água no orçamento, mas são mais um esforço. "Não se pode olhar para o Fundo de Transição Justa como aquilo que vai fazer o chamado Green Deal, a mudança estrutural. A mudança estrutural em curso é uma mudança tão grande que tem de envolver e ser assumida por todo o orçamento da União, daí que seja importante sublinhar que também na política normal de coesão, na política preexistente de coesão, vai haver uma alocação especial e uma realocação especial a investimentos em conformidade ambiental. Neste momento já houve o greening das propostas que poderão ser financiadas ao abrigo da política de coesão e da política agrícola [...] Não há uma bala de prata associada a este fundo. Este fundo é destinado a minorar os impactos sociais e regionais da transição nas regiões que dependem tanto destas indústrias [poluentes] e deste tipo de actividades que o impacto da mudança seria dramático", conclui a comissária Elisa Ferreira.
*Em Estrasburgo
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