
A capa da edição desta semana da revista francesa Le Point mostra uma imagem de Donald Trump acompanhada do título “O Homem de Moscovo”, sugerindo que os presidentes norte-americano e russo fizeram uma “aliança de predadores”.
Nessa edição, num longo artigo de opinião, o conhecido filósofo Bernard Henri-Lévy argumenta que Trump abandonou a Ucrânia, que assim fica rendida à invasão russa iniciada em 2022, sem capacidade de prolongar a resistência, a menos que a Europa “seja capaz de construir uma força de dissuasão credível”, assumindo que perderam um aliado em Washington.
Diversos analistas europeus olham para a condescendência de Trump perante o Kremlin como sinal de início de uma nova ordem mundial, em que os europeus deixaram de poder contar com o “guarda-chuva militar e nuclear” dos Estados Unidos, mas, mais do que isso, deixaram de ter um parceiro fiável do outro lado do Atlântico.
Na mesma linha de Henri-Lévy, a jornalista Anna Applebaum considera que Trump anunciou o “fim do mundo do pós-Segunda Guerra Mundial”, num artigo divulgado na revista The Atlantic, avisando os aliados europeus dos EUA de que Trump está muito mais próximo de Putin do que de Bruxelas.
Para estes analistas, o maior perigo não é a admiração de Trump por Putin, mas sim a transformação de Trump numa figura semelhante a Putin, com a centralização da autoridade, o favorecimento de aliados e a transferência de decisões para mãos privadas.
A “putinização” da América, termo usado por Garry Kasparov — ex-campeão mundial de xadrez e dissidente russo – descreve a forma como Donald Trump parece estar a adotar táticas semelhantes às de Vladimir Putin no exercício do poder.
Esta imitação não se manifesta apenas na admiração expressa por Trump em relação a Putin, mas também em ações concretas que minam as instituições democráticas e favorecem um estilo de governação mais autoritário.
“Trump demonstra um desprezo pelas alianças tradicionais e uma inclinação para o isolacionismo, espelhando a abordagem de Putin na política externa russa”, explicou à agência Lusa Michael Stuart, investigador de Relações Internacionais do Hunter College, de Nova Iorque.
Para este analista, um dos aspetos mais notórios é a forma como Trump procura enfraquecer as instituições estatais que possam representar um obstáculo ao seu poder.
Esta estratégia visa tornar o Governo norte-americano impotente face ao poder privado, permitindo que Trump e os seus aliados internos — nomeadamente as figuras relevantes do movimento ‘Make America Great Again’ (MAGA) ou os oligarcas tecnológicos – ajam sem grande escrutínio ou responsabilização.
Em termos de política externa, Trump parece também adotar a linha de Putin de procurar aliados alternativos, quando percebe que pragmaticamente deve romper com anteriores tratados internacionais ou parcerias de longa data.
“Depois de Trump atacar o México, o Canadá, a Dinamarca, a União Europeia [UE] e a NATO, agora foi a vez de atacar o Japão”, lembra Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana, referindo-se às recentes críticas do Presidente dos Estados Unidos sobre o pacto de segurança com Tóquio, que considerou não estar a ser recíproco.
“Eis mais um exemplo de como Trump procura fragilizar um inimigo de um aliado de Putin. Neste caso, os rivais da China”, argumenta Stuart.
Trump tem manifestado repetidamente comentários positivos e de admiração em relação a Putin, o que lhe valeu críticas de ser “brando com a Rússia”.
Apesar de o Presidente norte-americano ter criticado a condução da guerra na Ucrânia por parte de Putin, a sua postura geral sugere uma convergência de interesses e uma vontade de cooperar.
Putin, por sua vez, expressou apoio à alegação falsa de Trump de que ele, e não Joe Biden, foi o verdadeiro vencedor das eleições presidenciais de 2020.
O Presidente russo também elogiou a coragem de Trump quando um atirador tentou assassiná-lo no ano passado.
A guerra na Ucrânia tem sido um ponto central nas relações entre Trump e Putin.
Trump tem defendido repetidamente a necessidade de um acordo rápido para acabar com o conflito, independentemente dos termos, numa atitude que contrasta com a dos aliados europeus, que insistem na necessidade de garantir a soberania ucraniana e a integridade territorial.
O Presidente norte-americano chegou mesmo a culpar a Ucrânia pelo início da guerra, ecoando a narrativa do Kremlin, o que gerou indignação na Ucrânia e entre os seus aliados, que temem que Trump esteja disposto a fazer concessões significativas a Putin para garantir um acordo rápido.
Esta mudança brusca na política externa dos EUA representa um desvio significativo de décadas de postura agressiva em relação à Rússia, levantando questões sobre o futuro dos laços transatlânticos e a segurança europeia.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, já alertou a UE para se preparar para um potencial pesadelo envolvendo a Rússia, especialmente após o cancelamento da ajuda militar dos EUA a Kiev.
Macron apelou à Europa para que pensasse no seu futuro, caso os laços com os EUA se rompam sob a liderança de Trump, sublinhando que o futuro da Europa não deve ser decidido em Washington ou Moscovo.
Também na Alemanha, após a recente subida do partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD) para o segundo lugar, p vencedor das eleições federais, o líder da União Democrata-Cristã (CDU), Friedrich Merz, declarou que a Europa, confrontada com uns EUA cada vez mais hostis, deve tomar o seu destino nas suas próprias mãos.
Para diversos analistas, Trump procura ser visto como um líder capaz de resolver conflitos de forma rápida e decisiva e Putin pode ajudá-lo a alcançar esse objetivo, especialmente no que diz respeito à guerra na Ucrânia, mostrando-se disposto a negociar e a ceder em algumas questões.
Ao mesmo tempo, ao trabalhar em conjunto com Putin, Trump pode elevar o estatuto da Rússia como um ator global importante na resolução de problemas internacionais, como a situação no Médio Oriente e esse reconhecimento pode ser visto como um sucesso diplomático para Trump.
Trump encontra eco na visão de Putin sobre a importância da história e da grandeza das nações, o que valida a sua própria busca por restaurar a grandeza dos Estados Unidos.
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