
"Numa guerra, todos perdem." Este é o ponto de partido do Coronel de Infantaria Fernando Figueiredo, antigo comandante em Timor e conselheiro no Iraque, que destaca que para se responder a esta pergunta é essencial que se reconheça essa realidade incontornável.
"Perdem-se vidas, destroem-se recursos, desmorona-se a estabilidade e, muitas vezes, até se dilui o propósito original pelo qual se luta. Se um dos lados alcançar os seus objetivos - seja conquistar território, mudar um regime ou garantir a sua segurança - poderá ser considerado o "vencedor". No entanto, a História ensina-nos que o custo da vitória pode ser tão elevado que se transforma numa derrota disfarçada", acrescenta.
Do ponto de vista militar, destaca que não existe até ao momento um vencedor claro. "A Rússia mantém o controlo de territórios significativos no leste e sul da Ucrânia, mas enfrenta dificuldades em avançar desde 2023. A Ucrânia, por sua vez, tem conseguido atacar alvos estratégicos dentro do território russo, mas enfrenta desafios na mobilização de tropas e na obtenção de armamento. A Rússia, apesar da sua superioridade numérica e industrial, sofre perdas elevadas e dificuldades logísticas, enquanto a sua economia se degrada progressivamente. Neste momento, o conflito encontra-se num impasse estratégico, com avanços limitados de ambos os lados".
No entanto, a guerra não se decide apenas no terreno militar, mas sim no que for negociado quando as armas se calarem, destaca o Coronel. "Com a chegada de Trump à Casa Branca, deu-se uma inversão drástica. A Ucrânia passou a ser responsável pela guerra e Zelensky retratado como o maior ditador da História. O novo adversário é um Ocidente dividido, onde interesses económicos falam mais alto do que princípios democráticos. Enquanto Zelensky protege o seu povo, Trump protege os milhões de dólares que giram em torno dos minerais das terras raras".
"Vão ser necessários nervos de aço e uma paciência infinita para lidar com esta esquizofrenia estratégica, mas, acima de tudo, será preciso que a Europa finalmente acorde, arregace as mangas, se agigante contra Putin e contra aqueles que agora o idolatram. Quem ganhará será quem conseguir garantir uma paz sustentável, evitando que este conflito se transforme apenas no primeiro capítulo de uma tragédia maior", termina.
Um país a resistir há três anos
Francisco Francisco Cordeiro de Araújo, fundador do projeto Os 230 e Presidente da Associação Democracia 2.3, Assistente Convidado na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa e Investigador no Lisbon Public Law Research Centre, compara o momento atual com uma visita que fez à Ucrânia no início da Invasão. "Quando parti para a Ucrânia e para a sua fronteira com a Roménia, ainda que longe da linha da frente, cedo percebi que o conflito ia ser longo e que a determinação iria ser testada pelo cansaço. O dos que lutam para defender um país ilegalmente invadido, mas sobretudo o dos que em sociedades democráticas têm dificuldades a ir além de impulsos instantâneos e pensar no longo prazo, deambulando entre a personificação corajosa de quem empunha como outrora uma pá, talvez perante uma foice, e o despejar desta para debaixo do tapete quando a poeira se levanta".
"A pergunta 'Quem está a ganhar a Guerra na Ucrânia' é uma questão desafiante que não permite visões simplistas. De facto, as forças russas têm alcançado em parte os seus desejos expansionistas, ocupando e controlando mais território no leste e sul da Ucrânia do que antes de fevereiro de 2022, não sendo comparáveis em termos de área à incursão ucraniana em território russo, apenas numa parte do Oblast de Kursk", diz também.
Apesar disso, para o especialista, "o Kremlin ficou muito aquém das suas ambições militares e políticas com a invasão de larga escala, recuando, não avançando e alterando estratégias, dada a resiliência e coragem dos militares e do povo ucraniano, bem como do compromisso dos seus aliados, pese embora com os seus atrasos e entraves. Está hoje mais longe da capital ucraniana do que nas primeiras semanas da invasão, enfrentou uma insurreição dos seus mercenários, a sua economia dá sinais de fraqueza e tem dificuldades na renovação das suas fileiras".
Sobre o futuro, destaca que a eleição de Trump se tornou num "balão de oxigénio para Putin, que encontrou, nos outrora antípodas de Moscovo, um eco da sua narrativa". "No meio de tudo isto, vai ficando para trás uma Europa que nunca se chegou bem à frente e o mundo multilateralista baseado em regras e princípios internacionais, uma bandeira que os Estados Unidos desfraldaram, defraudaram e que agora arriaram. Para um docente de Direito Internacional são tempos desafiantes, que têm de nos fazer refletir sobre a estrutura do sistema internacional", aponta.
Esta não é uma visão muito diferente de Daniela Nunes, Investigadora em Doutoramento no Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica Portuguesa.
A especialista começa por destacar ao SAPO24 que "ninguém imaginaria que o século XXI poderia reservar-nos um conflito tão longo e penoso quanto tem vindo a ser o russo-ucraniano. De algum modo, foi e continua a ser surpreendente a ineficácia da estratégia da Rússia sobre a Ucrânia, que é a estratégia de um país gigante sobre outro de dimensões e recursos significativamente inferiores".
"As leis da guerra, e até as da física, não fariam prever que os ucranianos poderiam resistir por 3 anos a uma invasão como a russa", acrescenta.
"Os avanços paulatinos da Rússia no terreno ficam aquém do que imaginaríamos ser a sua capacidade demolidora, sobretudo quando o que está em causa é uma política revisionista que não pretende ficar pela anexação do Donbass. Pelo contrário, a coragem e determinação da liderança ucraniana, na pessoa de Volodymyr Zelensky, provaram quão fundamental pode ser o caráter de um líder quando uma guerra deflagra", sublinha.
"A cada fase do conflito, assistimos à reinvenção do povo ucraniano, entre soldados e civis, numa demonstração de resiliência que remonta aos períodos mais sombrios da história do Velho Continente. Nenhum dos dois países poderá sustentar as perdas humanas sucessivas a que esta guerra está a obrigar, mas essa poderá ser, porventura, uma das vantagens da Ucrânia: as tropas ucranianas estão a eliminar mais russos do que o contrário e, mantendo-se essa tendência, os avanços russos podem vir a abrandar", reforça.
Também numa chamada de atenção para os efeitos das eleições norte-americanas, frisa que "a somar aos elementos surpresa que as regras do xadrez internacional enfrentaram desde 2022 a esta parte, Donald Trump regressou recentemente à Casa Branca para abalar a esperança de que o apoio norte-americano à causa ucraniana se manteria inabalável".
"Pelo contrário, Trump tem vindo a fazer declarações bizarras acerca do início do conflito, sugerindo que foi a Ucrânia quem lhe deu origem, e colocando a Europa à margem do que poderão vir a ser as negociações com vista à paz. Na prática, estas e outras bizarrias significam uma vitória facilitada, servida numa bandeja ao Presidente Putin. Afinal de contas, não é a Rússia quem está a suceder brilhantemente neste terceiro ano de guerra, mas os Estados Unidos quem está a enveredar por uma via disruptiva muito perigosa para o mundo livre", termina.
Existe alguma esperança para negociações?
Mais focada no futuro, a professora Aline Gallasch-Hall de Beuvink, auxiliar da Universidade Autónoma de Lisboa e investigadora especialista em história, bem como com ascendência ucraniana, destaca que "As guerras vencem-se de duas maneiras: no terreno, ou à mesa de negociações. Nesta última, nem sempre é a forma mais justa".
No terreno, afirma que "há um empate": "Os russos julgavam que teriam a Ucrânia em poucas semanas e já se passaram três anos. Obviamente é mais que notório que não a conseguem ganhar. Os ucranianos fizeram o milagre, com ajuda externa a nível de armamento, de aguentarem, manterem certa parte do território e não cederem. Pelo que a guerra agora é outra: a política, económica e diplomática. E essa, quem a está a ganhar, é os Estados Unidos da América, protegendo a Rússia, provavelmente para dividirem as riquezas da Ucrânia entre ambos, numa lógica contrária ao que vimos na Guerra Fria".
"A guerra da desinformação e da mentira está a ser ganha pela Rússia, e os EUA usam essa desculpa para justificar a sua posição de força contra a Ucrânia. No fim, se esta união EUA-Rússia ganhar, quem perderá será, mais do que a Ucrânia, toda a Europa, pois só restará a desunião entre os europeus e uma fatura altíssima de reconstrução de um país que nem poderá usufruir dos seus próprios recursos para a pagar", acrescenta.
Manuel Poêjo Torres, investigador e doutorando em Ciência Política, Segurança e Defesa pela Universidade Católica Portuguesa e consultor da NATO, recorre a analogias musicais para falar sobre o conflito, nomeadamente a Götterdämmerung (o crepúsculo dos deuses) – a parte final do ciclo de quatro óperas que compõem o famoso épico de Richard Wagner, Der Ring des Nibelungen – que explora a traição, queda e destruição de deuses e homens devido à ganância, ao engano e à maldição.
Segundo o investigador, "Wagner, admirador de Otto von Bismarck [estadista e diplomata prussiano], via a guerra como um trágico mas inevitável ciclo de 'destruição—renovação', reflexo imutável das guerras passadas e futuras, equidistante dos nossos tempos".
"Na Ucrânia combatem-se duas guerras: uma, visível, humana e regional, entre invadido e invasor; e outra invisível, económica e global, entre blocos democráticos e autoritários, onde todos perdem e só um se renova. A natureza autoritária do regime Russo, comprometido com interesses corporativos, políticos e militares é organicamente adverso à renovação, mesmo que dela dependa a sua sobrevivência", acrescenta.
"Depois de anos de perdas geográficas, de massa humana, poder económico e por fim desalinhamento diplomático, perde a Europa dos livres para a revanche imperial global, e por consequência degrada-se o prestigio ocidental da liderança mundial. Por fim, como Wagner apontava, da destruição, dá-se a renovação do papel de um, e um só – a República Popular da China – que sem perder foco da sua grande estratégia de substituição Americana, vence pelo calculismo oferecendo moderação aos intemperados, assumindo-se árbitro dos escombros de uma ordem em convulsão", reflete.
Importa recordar que no dia 24 de fevereiro de 2022, a Rússia iniciou os ataques ao território ucraniano, inclusive bombardeando a capital Kiev.
Desde então, inúmeros esforços diplomáticos aconteceram, como reuniões e decisões na Organização das Nações Unidas (ONU), sanções, ameaças de uso de bombas nucleares táticas e a anexação de mais regiões da Ucrânia por parte do governo russo. Segundo as estimativas do Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, mais de 6 milhões de ucranianos fugiram do seu país devido à guerra.
Outros 571 mil ucranianos estão exilados fora da Europa, elevando o total desta comunidade em todo o mundo para 6,74 milhões de pessoas. Além disso, 3,7 milhões de pessoas estão deslocadas internamente, segundo as Nações Unidas.
A Ucrânia, que tinha 43,5 milhões de habitantes em 2021, antes do início da guerra com a Rússia em fevereiro de 2022, tem hoje apenas 37,9 milhões.
Sabe-se que mais de 12,3 mil civis foram mortos na guerra da Ucrânia desde a invasão da Rússia, segundo a ONU.
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