Na ficção como na realidade haverá risos, choro, comédia e drama. A separar os cenários, um oceano. Dos dois lados do Atlântico câmaras, protagonistas e muita acção, com uma diferença: enquanto no palco improvisado no Hotel Mundial, em Lisboa, tudo voltará ao normal depois das luzes se apagarem, no Brasil, com Bolsonaro ou Haddad, nada será como dantes.
Há muito que as eleições presidenciais brasileiras assumiram contornos de telenovela, e Wolf Maya, o grande director das novelas da Rede Globo, já teve êxitos extraordinários com enredos menos fantasiosos. Jogava-se, na altura, com vidas faz-de-conta, e estas, contudo, não podiam ser mais de carne e osso. Thaís de Campos reparte-se entre os dois mundos: é actriz, contracenou com Betty Faria, em "Tieta", ou com Glória Pires, em "Mulheres de Areia", que entraram pela casa dos portugueses nos serões dos anos noventa, e brasileira, onde representa um papel bem mais real.
Nunca deixou de ter "um pezinho em Portugal", como confessa ao SAPO24, onde viveu e trabalhou oito anos (2000 a 2008). Regressou há quase dois, sobretudo por causa da filha mais nova, Carolina: "O Brasil está impossível para educar uma teenager". Carolina nasceu em Portugal há 14 anos, estava a querer dar o Grito do Ipiranga. E o Brasil nunca esteve tão "complicado".
Thaís e a família moravam no Rio de Janeiro, na Barra da Tijuca, um bairro de classe médica alta com mais de 136 mil habitantes – calcula-se que o dobro, lá para 2030. "Lá você acaba vivendo em blocos, em condomínios, vai da sua casa para casa de um e de outro amigo e não precisa sair para fazer o que quer que seja, tem tudo no condomínio: parque, piscina, gym [ginásio], feirinha [supermercado]. No máximo sai para ir ao shopping, e até os passeios ao livre a gente faz de dia, de noite já não ia nem ao teatro no centro da cidade. É complicado", conta. Tão complicado que das últimas vezes que foi ao Brasil Thaís optou por vender o carro e passou a andar de uber ou de táxi, "mais tranquilo do que estacionar no parque e ficar sujeito a ser assaltado ou ainda pior".
Paulo, o marido, também é português. Quando, em 2008, Thaís voltou para o Brasil, Paulo pediu uma licença sem vencimento e foi também. Para a actriz estava tudo óptimo, na escola de actores do tio, Wolf Maya, a fazer telenovelas e a dirigir curtas-metragens, a vida profissional não podia correr melhor. O casamento também não ia mal, porque embora o marido tivesse regressado a Portugal ia ao Rio a cada quinze dias. "Claro que o tempo foi passando e emocionalmente esse foi um período não muito feliz; não tinha uma família estável, a Carolina estava a crescer e eu achei que tinha de repartir esse trabalho com o pai, porque uma adolescente é obra - já criei uma sozinha e não é fácil. Ainda mais com o Brasil inseguro desse jeito", desabafa.
E foi assim que decidiu regressar a Portugal. Carolina adaptou-se bem à sua terra natal, apesar da "idade difícil". "Está feliz, super bem e já fala até com sotaque português", ri a mãe-galinha. Longe ficou a filha mais velha. "Morro de preocupação por a Clarinha ainda estar lá, fiz tudo para ela vir para Portugal, mas não quis. Está muito legal, numa faculdade de Cinema muito boa e já está até dirigindo. Dirigiu-me a mim como actriz numa curta que fez no final do semestre, uma coisa a sério, com profissionais, paga do seu bolso, para apresentar na faculdade e que agora vai levar a diversos festivais de cinema. Fiquei encantada, uma direcção afectiva, sem levantar a voz no set, liderando uma equipa de 20 pessoas. Muito bonito de ver o entendimento dela com o actor, que pegou muito de mim, mas também a liderança, essa liderança afectiva, que é moderna, tranquila. Fiquei muito feliz".
Como diz o ditado, "filho de peixe sabe nadar". Clarinha cresceu a ver a mãe, a avó, o tio-avô e uma boa parte da família representar ou dirigir e, em pequenina, depois do colégio, chegou a assistir a algumas aulas e gravações na Arte 6, a escola de TV e cinema que Thaís abriu em Lisboa e onde levou actores de renome para leccionar e dar palestras, mas também onde Bruno Nogueira, Inês Castel-Branco ou Sara Norte fizeram parte da sua formação. Afinal, quantas meninas vaidosas não gostariam de viver rodeadas de maquiagem, vestidos e luzes?
Agora que Clarinha está a terminar a licenciatura e que Carolina já se adaptou à vida em Lisboa, Thaís voltou ao activo de alma e coração. E este sábado, dia 27, começa mais um workshop de TV e cinema "Segredos da Câmara", no Hotel Mundial, no Martim Moniz. São três módulos que começam com a técnica, o entendimento do veículo, a forma de se posicionar, de pensar, de colocar a voz, passam pela comédia, o drama e todos os géneros cinematográficos, e que terminam com a gravação de uma curta-metragem.
"Adoro representar, mas uma das coisas que me dá mais prazer é ensinar. Isso é algo que me nutre a alma. E fico feliz por passar o conhecimento que adquiri e que não é meu, só tem sentido se for de todos", afirma Thaís de Campos. "Quando fui dar aulas para o Brasil, na escola do meu tio, a Escola de Actores Wolf Maya, muita gente me dizia: 'Mas você é actriz'. É verdade, mas quanto mais você puder passar esse conhecimento, fazê-lo circular, melhor, mais bonito. Claro é preciso ter um retorno financeiro para sobreviver, mas quando me perguntavam se queria entrar para a direcção, a minha resposta era sempre a mesma: 'Isso dá mais dores de cabeça do que dinheiro [risos], quero ser só professora'.
E hoje, mais do que tudo, Thaís tem prazer em dirigir. Aqui, agora, junta tudo em um. O curso é para todos e as inscrições podem ser feitas "à boca da urna", que é como quem diz, até ao dia do início de cada módulo. O leque de interessados é variado: "A informação é importante até para quem não é actor, como jornalistas, empresários, comentadores, gente que em algum momento tem de estar à frente das câmaras e passar uma imagem, uma mensagem. Costumo dizer na brincadeira, mas é bem a sério, que este workshop vale até para youtubers, que têm de saber como se comportar para fazer um vídeo antes de o colocar no Youtube ou noutra rede social, caso contrário pode ser um desastre", defende.
Outro perfil de aluno são os políticos. "O meu marido diz que não posso entrar nessa área, não posso dar aulas a políticos ou eles vão ficar mais perigosos ainda. Nas aulas vou ensinar os truques todos e com o domínio das ferramentas, sabendo lidar com a câmara, você fica credível e passa a ter a confiança do espectador, que seria difícil conquistar de outra forma. Uma mentira pode tornar-se realidade, por isso é perigoso", ri Thaís.
Ao todo serão 35 horas nos dois primeiros módulos (15 + 20), com preços que variam entre os 200 e os 250 euros, e um último módulo, cujo custo dependerá do número de inscritos, do guião, do elenco e número de dias de rodagem, por exemplo.
Por estes dias, o nervoso de Thaís não estará apenas com a turma. O seu pensamento vai estar também nos dias decisivos que vive o Brasil. "Não votei e se tivesse de votar dava um tiro na cabeça porque não tem opção", dispara. "Mas, para mim tudo menos PT, porque o PT acabou com o país. Sou completamente contra Bolsonaro, mas sou ainda mais contra o PT do que contra Bolsonaro".
E explica: "O que o povo está mostrando é que o que realmente precisa – e vai acontecer, embora talvez não tão calmamente como a gente gostaria -, é uma limpeza. E nestas eleições várias pessoas relacionadas com nomes e com políticos antigos já não conseguiram se eleger. E muita gente, pessoas que ninguém conhecia, ninguém sabia que existiam, políticos novos, foram eleitos. Então, as pessoas botam um pouquinho de fé em que estes novos políticos, esta nova gente, faça alguma limpeza no sistema, porque o sistema está podre. Teve uma época em que São Paulo estava pior, agora é o Rio de Janeiro que está péssimo. O Estado ficou falido e os funcionários públicos não estão a receber; os bombeiros, os polícias, os médicos, os enfermeiros recebem com três, quatro meses de atraso. Não há dinheiro. Os enfermeiros pediram aos médicos uma bolsa de família, uma cesta básica, para poderem comer. Eu vi aquela série 'O Mecanismo', e adorei - não é o mecanismo de agora nem é o mecanismo do PT nem é o mecanismo da Lava Jato, é o mecanismo que existe no Brasil desde que o Brasil é Brasil, desde que Portugal chegou ao Brasil. É uma forma de estar, a corrupção instalada para que a coisa funcione erradamente, que vem desde o cara que desentope o cano de esgoto da sua rua até ao seu presidente".
Thaís fez esta semana 55 anos anos. Tinha 37 quando chegou a Portugal pela primeira vez. "O tempo passa, mas a gente está bem. De certa forma isso é gratificante, temos saúde, força e alegria. Um destes dias falei para Carolina: 'Está pensando o quê? Vou viver até aos 120'. '120?!' 'Vou. E não vai ser na cama, vai ser feliz e bem'. 'Mamãe, a minha geração pode viver isso. Se você chegar aos 100, fique contente'. E virei para ela e respondi: 'Não se iluda, eu vou chegar aos 120 [risos]'.
Por falta de projectos não será, pois além do novo curso de TV e cinema, Thaís tem planos, contrariando um chiste que em outros tempos corria o plateau: "Aos 20 uma actriz tem de ser amiga do director, aos 30 do autor e aos 40 do director de fotografia". É que, para quem não sabe, Thaís de Campos é, além de actriz e professora, uma cozinheira de mão cheia – só não faz doces. E logo, logo vai começar a gravar um programa de culinária, por enquanto meio no segredo dos deuses. Para já, não vale a pena tentar tirar nabos da púcara, porque isso seria o mesmo do que tentar adivinhar o que vai acontecer com o futuro do Brasil.
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