No acórdão, datado de 14 de janeiro e hoje consultado pela Lusa, o STJ refere que o exercício da atividade doméstica exclusivamente ou essencialmente por um dos membros da união de facto, sem contrapartida, “resulta num verdadeiro empobrecimento deste e a correspetiva libertação do outro membro da realização dessas tarefas”.
O STJ considera que isso se traduz num enriquecimento do membro do casal que não participa no trabalho doméstico, uma vez que lhe permite beneficiar do resultado da realização dessas atividades sem custos ou contributos.
A mulher pedia, no mínimo, 240 mil euros, mas, na primeira instância, o Tribunal de Barcelos considerou que não havia lugar ao pagamento de qualquer quantia pelo trabalho doméstico da mulher.
“Não sendo o trabalho despendido no lar judicialmente exigível no âmbito da união de facto, a sua prestação como contribuição para a economia comum configura-se como cumprimento espontâneo de obrigação natural”, referia aquele tribunal.
A mulher recorreu para a Relação, que lhe deu razão, fixando a indemnização em 60.782 euros.
O homem recorreu para o STJ, que confirmou a decisão da Relação.
O STJ refere que, em situações de evidente desequilíbrio, “não é possível considerar que a prestação do trabalho doméstico e os cuidados, acompanhamento e educação dos filhos correspondem, respetivamente, a uma obrigação natural e ao cumprimento de um dever”.
“Desde há muito que a exigência de igualdade é inerente à ideia de justiça, pelo que não é possível considerar que a realização da totalidade ou de grande parte do trabalho doméstico de uma casa, onde vive um casal em união de facto, por apenas um dos membros da união de facto, corresponda ao cumprimento de uma obrigação natural, fundada num dever de justiça", descreve o acórdão.
"Pelo contrário, tal dever reclama uma divisão de tarefas o mais igualitária possível, sem prejuízo da possibilidade de os membros dessa relação livremente acordarem que um deles não contribua com a prestação de trabalho doméstico, na lógica de uma especialização dos contributos de cada um”, acrescenta.
O STJ sublinha que “o trabalho doméstico, embora continue a ser estranhamente invisível para muitos, tem obviamente um valor económico e traduz-se num enriquecimento enquanto poupança de despesas”.
No caso, provou-se que. ao longo dos quase 30 anos em que o homem e mulher viveram juntos, foi ela quem tratou e cuidou da casa e preparou as refeições do companheiro.
Por isso, o STJ diz que é correta a opção de ponderação desta realidade na contabilização das contribuições da mulher na aquisição do património pertencente ao companheiro.
Para o STJ, é igualmente contabilizável o trabalho despendido na educação e no acompanhamento dos filhos, desde que seja realizado exclusiva ou essencialmente por um dos elementos do casal.
Para fixar o valor do trabalho doméstico, o tribunal adotou como critério o salário mínimo nacional, multiplicado por 12 meses, durante os anos de vivência em comum.
Ao total, retirou um terço, considerando a necessidade de afetação de parte desse valor às despesas da mulher.
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