A 10 de novembro de 2015, ao início da tarde, o secretário-geral do PS, António Costa, assinou no parlamento três acordos políticos em separado com as lideranças do Bloco de Esquerda, Catarina Martins, do PCP, Jerónimo de Sousa, e de “Os Verdes”, Heloísa Apolónia, para o derrube do XX Governo Constitucional (PSD/CDS-PP) e para a viabilização de um executivo alternativo (minoritário) apenas formado pelos socialistas.
Nesse mesmo dia, o primeiro-ministro em funções, Pedro Passos Coelho, antecipando a queda iminente do seu segundo Governo, por força dos votos conjugados da maioria de esquerda, deixou a advertência de que esperariam o país meses de instabilidade política: “A esquerda não apresentou uma alternativa estável, duradoura e consistente”, sustentou.
Uma opinião de Passos Coelho sobre a aparente fragilidade de um executivo em formação que tinha como base o segundo partido mais votado nas últimas eleições – o que foi inédito em Portugal – e que, para mais, coincidia até com a posição defendida pela ala direita minoritária do PS, que tinha como principal protagonista o eurodeputado socialista Francisco Assis.
Os acordos entre PS, Bloco de Esquerda, PCP e PEV, ao contrário de anteriores compromissos de Governo interpartidários, não estabeleceram qualquer proibição de uma destas forças políticas apresentar uma moção de censura ao Governo ao longo da legislatura, e nem sequer garantiram a aprovação de orçamentos na Assembleia da República.
Por outro lado, os mesmos acordos previam logo à cabeça a adoção de medidas como a reposição salarial na administração pública e das pensões cortadas nos últimos anos, o regresso às 35 horas semanais de trabalho e dos feriados nacionais suspensos em 2013, a descida do IVA da restauração para 13%, o aumento do salário mínimo e (no caso específico do acordo com o Bloco de Esquerda) a redução da sobretaxa de IRS em 2016, sendo extinta no ano seguinte.
Com estas medidas em perspetiva, os observadores políticos foram quase unânimes em colocar a dúvida sobre como seria possível compatibilizar todas estas políticas de agravamento global da despesa com os compromissos assumidos por Portugal no quadro da União Europeia, designadamente com a meta de se atingir um défice inferior a 3% em 2016.
Entre janeiro e março, o novo Governo liderado por António Costa foi sujeito a uma série de pressões por parte da Comissão Europeia e do Eurogrupo, primeiro para corrigir o esboço orçamental e depois a própria proposta de Orçamento para 2016, com Bruxelas a exigir que fossem tomadas medidas adicionais na ordem dos mil milhões de euros.
Após semanas de intensas negociações e na sequência de algumas emendas à proposta inicial, o Governo aprovou a 16 de março o Orçamento em votação final global, com o apoio de toda a esquerda (e a rejeição esperada de PSD e CDS-PP) e com a inclusão de uma meta de 2,2% de défice no final deste ano.
O segundo sério obstáculo colocado ao executivo de António Costa foi ultrapassado em finais de abril, quando conseguiu simultaneamente que Bruxelas aceitasse o Programa de Estabilidade até 2019 – com o cumprimento de metas anuais de redução de défice impostas pelo Tratado Orçamental -, e que Bloco de Esquerda, PCP e PEV se unissem no parlamento no chumbo de uma moção de rejeição a este documento apresentada pelo CDS-PP.
O momento mais delicado para a coesão da maioria parlamentar de esquerda aconteceu logo no final de dezembro, não em resultado de questões orçamentais europeias, como inicialmente se antecipara, mas por causa da solução adotada para evitar a liquidação do Banif.
No parlamento, o Governo entregou uma proposta de Orçamento Retificativo para 2015 com a finalidade de cobrir 2,25 mil milhões de euros de buraco financeiro no Banif, após ter vendido este mesmo banco ao Santander Totta por 150 milhões de euros.
PCP e Bloco de Esquerda opuseram-se a esta solução, defendendo como alternativa a integração do Banif na esfera da banca pública. E o Orçamento Retificativo acabou por ser viabilizado pela abstenção do PSD.
O segundo momento de colisão entre as forças da esquerda registou-se em julho, após um entendimento inicial em torno do processo de recapitalização da Caixa Geral de Depósitos (CGD).
Bloco de Esquerda e PCP, tal como o PSD e CDS-PP, discordaram da decisão do Governo de retirar a administração da CGD do âmbito legal dos gestores públicos, solução que possibilita neste momento que o presidente da Caixa, António Domingues, disponha de um vencimento anual 423 mil euros.
Nas últimas semanas, PCP e Bloco de Esquerda, assim como a oposição de direita, também se insurgiram contra a ideia de estes administradores da CGD poderem estar isentos de apresentar a sua declaração de rendimentos no Tribunal Constitucional, depois de o Governo ter aprovado um decreto que abriu a porta para essa escapatória.
Perante a pressão exercida pelos parceiros que suportam o Governo, de um lado, e pelo PSD e CDS-PP, do outro lado, António Costa remeteu a solução deste caso para os próprios administradores da CGD e para o Tribunal Constitucional.
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