Os poucos alojamentos que restam em Fátima para a visita do papa Francisco, a 12 e 13 de maio, apresentam preços exorbitantes e há mesmo quem tenha arrendado uma noite em saco-cama por quase mil euros.
Uma casa de hóspedes que funciona num edifício de cinco pisos, com 40 quartos e apartamentos, no centro da cidade, propunha, numa página de reservas na internet, uma noite para dois adultos em "quarto duplo económico" (aparentemente apenas para os dias da visita do papa), com estada em saco-cama, por 992 euros, já sem vagas disponíveis.
O mesmo empreendimento turístico anuncia, para a noite de 12 para 13 de maio e ainda com lugares disponíveis, um quarto para duas pessoas com casa de banho partilhada por 1.192 euros (com casa de banho privativa o mesmo quarto custa mais 300 euros por noite), e outras opções, de alojamento triplo até um apartamento para 10 pessoas, com preços que variam entre os 2.300 e os 6.000 euros.
Uma cama em dormitório de seis pessoas, com casa de banho partilhada, fica pelos 500 euros por noite, subindo para 600 euros com casa de banho privativa.
Mas se o visitante optar pelo fim de semana anterior à visita papal, os mesmos preços caem vertiginosamente: as camas em dormitórios variam entre os 40 e 60 euros, o apartamento de 10 hóspedes passa a custar 500 e o quarto duplo 120 euros.
Já outra unidade de apartamentos turísticos, que no quarto de 45 metros quadrados disponibiliza frigorífico e micro-ondas, pede 2.000 euros pela mesma noite para dois adultos, preço que no fim de semana anterior não ultrapassa 60 euros.
Apesar do reitor do Santuário, Carlos Cabecinhas, ter apelado, no início do mês, a que não haja especulação de preços na visita do papa Francisco, pelo menos duas modernas unidades hoteleiras propõem preços que chegam a ser 40 vezes superiores às tarifas praticadas fora do 13 de maio e, aparentemente, são as únicas que ainda possuem vagas na cidade.
Os dois hotéis de quatro estrelas anunciam quartos duplos por 2.150 e 2.500 euros, um deles também na sua própria página de internet, tendo registado em conjunto mais de três dezenas de reservas nos últimos dois dias.
A maioria das reservas para a peregrinação de maio é não reembolsável, o que quer dizer que, a mais de dois meses da visita papal, se for cancelada terá de ser paga na totalidade.
O aumento de preços faz-se sentir não só em Fátima mas também na região circundante, num raio de cerca de 60 quilómetros (km): em Leiria, a 30 km do santuário de Fátima, um quarto duplo num hotel de quatro estrelas é proposto por 1.200 euros na noite de 12 para 13 de maio. No fim de semana anterior, o mesmo quarto custa 60 euros.
Na mesma cidade, em dois ‘hostel' do centro histórico, há quartos duplos disponíveis a preços que vão dos 500 euros e 600 euros (com casa de banho partilhada) até 650 euros com wc privativo (mas fora do quarto). Uma cama em dormitório misto ascende a 200 euros.
Uma semana antes, as mesmas acomodações variam entre os 35 a 39 euros diários, enquanto a cama não ultrapassa os 12 euros.
Já em Santarém, a 58 km de Fátima, os preços também aumentam, mas em menor proporção: dois hotéis pedem 350 euros por uma noite em quarto duplo, acomodação que uma semana antes não ultrapassa os 75 euros.
Com a vista papal, crescem os negócios entre particulares e, em páginas na internet, não faltam propostas de arrendamento de quartos em moradias, em Fátima e em localidades próximas como Minde ou Caxarias, mas também no Entroncamento ou na praia de Vieira de Leiria, a preços entre os 300 a 1.000 euros diários e algumas com direito a transporte em viatura própria do proprietário até ao Santuário.
Num dos anúncios, um homem diz ter reservado e pago três quartos num hotel de três estrelas de Alcobaça, a 40 km de Fátima, por 205 euros cada (quase cinco vezes a tarifa normal) "dado a visita do papa a Portugal". "Infelizmente, não poderei estar presente e nesse sentido cedo os três quartos duplos pelo preço a que fiz a reserva", um total de 615 euros, anuncia.
É um fenómeno residual e absurdo, dizem hoteleiros
Responsáveis hoteleiros e de associações do setor consideram que os preços exorbitantes pedidos para a visita do papa em quatro unidades turísticas de Fátima são um fenómeno residual e absurdo, que não representa a hotelaria da cidade.
Em declarações à agência Lusa, Alexandre Marto Pereira, empresário de hotelaria e vice-presidente da Associação Empresarial Ourém-Fátima (ACISO) argumenta que a oferta de quartos duplos em dois hotéis de quatro estrelas da cidade, com preços que chegam aos 2.500 euros, e alojamentos locais com valores que atingem 6.000 euros, é "um tipo de oferta extremamente residual e marginal".
"Se os hotéis de Fátima, que são mais de 70, na sua imensa maioria, tentassem fazer negócios com preços extremamente elevados, teriam de estar todo o ano com esses preços. E, se assim fosse, hoje não haveria um, dois ou três hotéis com vagas, mas sim 70 ou 80 e não há, todos os hotéis venderam a capacidade que tinham [para a peregrinação do 13 de maio] por preços razoáveis e em operações normais", argumentou Alexandre Marto Pereira.
"Exatamente porque [os quartos] não se vendem a dois ou três mil euros é que estes hotéis continuam com capacidade [de alojamento, que está praticamente esgotada em Fátima para a visita do papa]. Estão a vender a preços que são, de facto, fora do comum e ao fazê-lo, são os únicos que ainda têm disponibilidade", adiantou o responsável da ACISO.
Alexandre Marto Pereira disse ainda desconhecer a oferta, numa unidade de alojamento local, de quartos duplos económicos que propõem que os hóspedes fiquem em sacos-cama e paguem 992 euros por uma noite, camas por 500 ou 600 euros em dormitórios e um apartamento para dez pessoas por 6.000 euros: "Isso é uma coisa absurda, com preços absurdos", alegou.
Sustenta, no entanto, que possam existir situação "bizarras", mas que estas não constituem "uma amostra relevante" da oferta turística de Fátima.
"É como se alguém decidir ir para a rua vender copos de água aos peregrinos. Isso não quer dizer que os restaurantes e cafés de Fátima vão passar a vender copos de água. Mas há situações que vão ser notícia por serem estranhas", admitiu.
Jorge Loureiro, vice-presidente da Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e membro da comissão executiva do Turismo Centro de Portugal, concorda com Alexandre Marto Pereira sobre o fenómeno "residual" da oferta de alojamento a preços elevados e reforça que a noite de 12 para 13 de maio "está esgotada há muito na imensa maioria" das unidades hoteleiras de Fátima.
"Há um caso ou outro, tive conhecimento de dois quartos [de hotel] que foram lançados a um preço exorbitante e quem o fez teve sucesso. Mas, no geral, a norma é a contenção de preços", afirmou.
Hoteleiro no distrito de Viseu e, também por isso, conhecedor do setor, Jorge Loureiro não deixa de admitir que possam existir "loucuras", nomeadamente em unidades "que se limitam a disponibilizar quartos, não são estabelecimentos hoteleiros e não prestam um serviço enquanto tal". "É quase como aqueles que veem uma oportunidade de negócio, alugam a casa onde moram e vão dormir para a soleira da porta", sustentou.
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