“As políticas que foram definidas pela direita e pela extrema-direita deste país são políticas preocupantes que nos preocupam a nós todos, que preocupam os imigrantes e preocupam também os portugueses, que são solidários com as pessoas que procuram melhores condições de vida”, afirmou à Lusa Timóteo Macedo, que promete lutar contra qualquer iniciativa para alterar a lei.
“Não se tenha a ousadia de retirar direitos aos imigrantes, como não dar atestados de residência a pessoas que não têm autorização de residência”, porque as “pessoas vivem cá, moram cá, trabalham cá e descontam cá”.
“Nós queremos alertar que nós não aceitamos, nem os imigrantes aceitam, nem o movimento associativo aceita que se volte para trás de 2007”, data em que foram introduzidos artigos na lei que permitem a quem chegue a Portugal com visto de turismo possa procurar trabalhos e transitar o seu caso para um processo regular de imigração.
Os artigos legais “permitem às pessoas pedir a sua regularização”, mas a direita defende um sistema de quotas – que só permite vistos de trabalho passados nos consulados dos seus países de partida, de acordo com as necessidades do país.
“O próprio Estado reconheceu que o sistema de quotas não funciona, não funcionou na altura, não funciona agora nem vai funcionar no futuro”, afirmou.
No seu entender, a “lei de imigração de Portugal é uma das leis mais avançadas, embora tenha que ser melhorada em muitos aspetos”.
“Enquanto existir o saque do [hemisfério] Sul pelo [hemisfério] Norte é impossível controlar os fluxos migratórios”, acrescentou o presidente da Solidariedade Imigrante.
A mobilidade não pode ser só “para os endinheirados”, mas todas as “pessoas que procuram viver, procuram a sobrevivência e nós temos que estar atentos”.
“Naturalmente que eles [a direita] vão tentar” reduzir os direitos dos imigrantes, “mas nós não vamos deixar” e “vamos lutar muito como fizemos no passado”, avisou.
Hoje em dia, para os imigrantes, há uma “burocracia excessiva” que não mostra “boa-fé entre o Estado e os imigrantes”.
Quando foi extinto, no final de outubro, o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras deixou 350 mil processos pendentes, uma “vergonha sem nome” que o estado quer agora resolver, com recursos a outros meios que não o universo associativo.
“Não são os protocolos assinados com as ordens dos advogados e solicitadores que vão resolver esta situação”, afirmou Timóteo Macedo, salientando que a sua associação rejeita este tipo de acordos porque, no seu entender, o apoio à regularização deve caber às organizações da sociedade civil.
“Isto não é para ser um negócio. Os advogados recebem agendamentos e as associações não têm sequer um canal de comunicação claro” com a AIMA.
“A situação documental dos imigrantes não são casos de polícia ou judiciais, são questões de procedimentos”, afirmou, salientando que muitas lojas AIMA espalhadas pelo país “estão vazias” porque não são feitos agendamentos para lá.
Advogados que tratam com migrantes criticam burocracia que impede o cumprimento da lei
A burocracia excessiva e a ausência de resposta do Estado português aos pedidos de regularização dos imigrantes foram hoje criticados por advogados que lidam com centenas de casos de pessoas que têm a vida em suspenso.
“As pessoas não podem fazer nada, não podem ir a um funeral no seu país, não podem trazer filhos, ficam com a vida bloqueada à espera da regularização”, afirmou à Lusa o advogado Bruno Gutman, que criticou a falta de atenção que o tema tem tido por parte do governo.
“Portugal é um país que sabe que precisa do movimento migratório porque há um problema demográfico, com o envelhecimento populacional”, mas “parece que os serviços públicos não querem saber e não dão resposta”.
“Todos os dias alguém me manda uma mensagem e me comunica mais um atraso, uma ausência de resposta”, explicou Gutman, considerando que a passagem das responsabilidades do antigo Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) para a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA) “não trouxe, até ao momento, nenhuma melhoria”.
Criticas semelhantes fez o advogado José Gaspar Schwalbach, autor de vários livros sobre questões da migração.
Tudo indicava que a mudança do SEF para a AIMA “só pudesse melhorar porque estava tudo muito mau”, mas “sucede que, na prática, piorou” porque não foi feita a migração das bases de dados pendentes, criando “novos atrasos”.
“Coisas simples como um visto caducado não é possível resolver. Isto não faz sentido”, disse.
O fim do SEF entregou à PSP a responsabilidade da fiscalização da entrada dos imigrantes nos aeroportos nacionais, que tem “critérios mais rígidos para a entrada no território nacional” do que no passado.
Os imigrantes “são deixados ao abandono numa sala de passagem logo à entrada do posto de controlo” no aeroporto, o que “viola a convenção europeia dos direitos humanos”, com pessoas a “dormir no chão”, sem condições.
Sobre o novo governo, José Gaspar Schwalbach espera que consiga “desbloquear a questão dos agendamentos e da efetiva criação de mais postos de atendimentos para pedidos iniciais”, através de postos moveis, por exemplo.
“São milhares de pedidos a aguardar um agendamento e é incompreensível que um governo não tenha como bandeira para os primeiros 60 dias resolver este problema que é sistémico”, disse.
Sobre alterações à lei de estrangeiros, que regula a entrada de imigrantes, José Gaspar Schwalbach admite que possam vir a ser impostas novas regras, como um conhecimento prévio da língua portuguesa ou aulas de cidadania portuguesa antes de poderem pedir um visto.
Sobre os artigos que permitem aos imigrantes que chegam com visto de turismo apresentar uma manifestação de interesse para procurar trabalho – a causa do maior número de processos pendentes -, Schwalbach admite que esse recurso legal possa terminar.
“Esses artigos datam de 2007 para permitir a legalização de muitos imigrantes que estavam em Portugal há muitos anos e que, de outro modo, não se poderiam regularizar”, recordou o jurista, considerando que “a causa que permitiu a criação desse procedimento cessou”.
“Não me choca que seja alterado, porque cumpriu a sua função”, acrescentou José Gaspar Schwalbach, admitindo que os atrasos do sistema transformaram esses artigos num problema.
“Quem faz uma manifestação de interesse não pode ter nenhuma expectativa de resposta positiva mas a partir do momento em que esse procedimento demora mais do que o adequado (180 dias), assim já se consuma o facto”, explicou.
Sobre esta questão, Bruno Gutman tem uma posição diferente. “Acabar com a manifestação de interesse não vai impedir a pessoa de vir, mas vai criar uma situação de ilegalidade”. “Ora, se as pessoas pagam impostos, têm contrato de trabalho, o mais natural deveria ser terem os vistos resolvidos”, acrescentou.
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