No discurso de encerramento do XVI Encontro Anual do Conselho Superior de Magistratura (CSM), que terminou hoje em Vila Nova de Gaia, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, disse que a tradição em Portugal “era muito generosa” e “envolvia realidades muito díspares” de acumulação de funções em que só mais tarde “se tinha a noção de que podia haver um conflito de interesses”.
Podem ser funções, enumerou Marcelo Rebelo de Sousa, “sociais, culturais, desportivas”, as “mais variadas para que cada qual exprimisse aquilo que se considerava que devia ser lateral ao exercício do poder judicial”.
“Esse tempo passou, digo eu da ótica de quem tenha que vir a promulgar diploma sobre essa matéria, não digo da ótica do que pensa o poder judicial sobre a matéria ou da ótica do poder legislativo sobre legislar ou não sobre ela”, disse o Presidente da República.
O chefe de Estado reconheceu que “há muitos exemplos” em que se diz ser impossível que essa acumulação não aconteça, “tal a criatividade que existe nas sociedades aos mais variados níveis”.
“Onde é que se para em termos sociais? De qualquer maneira é uma reflexão a fazer nos casos mais óbvios de funções dificilmente compatíveis”, disse, acrescentando que no que diz respeito à acumulação “tem vingado uma orientação por iniciativa do próprio poder judicial e por compreensão de todos os poderes do Estado no sentido de ser reduzida ao mínimo e tender a desaparecer”.
Sobre a rotação de magistrados em cargos fora da magistratura, Marcelo Rebelo de Sousa admitiu que a questão choca com direitos e liberdades, mas defendeu uma reponderação.
“Quanto à rotação, eu sei que isso é respeitar a liberdade das pessoas, mas temos que admitir que há um momento em que a liberdade das pessoas tem que ser reponderada à luz, não direi da suspeição sobre a sua isenção e integridade pessoal, mas à luz da imagem que deixa na sociedade em casos mais flagrantes”, disse.
O juiz conselheiro Henrique Araújo, presidente do Supremo Tribunal de Justiça e, por inerência, do CSM, que falou antes do Presidente da República, tem sido uma voz crítica daquilo que apelidou de “portas giratórias” na Justiça, com a entrada e saída de magistrados para ocupar cargos políticos, até como ministros.
Sobre a composição dos órgãos superiores da magistratura — o próprio CSM e o congénere para os tribunais administrativos e fiscais — que a magistratura pede que sejam compostos maioritariamente por juízes, Marcelo Rebelo de Sousa mostrou-se favorável a essa pretensão, ainda que não lhe pareça um imperativo constitucional.
“O que penso da matéria? Penso que não me parece obviamente inconstitucional uma solução que passe por não haver a totalidade dos membros destes conselhos eleita por juízes, não só porque isto foi pacífico ao longo de décadas, [..] mas porque me parece excessivo dizer que a independência do poder judicial implica necessariamente que todos os membros dos dois conselhos superiores sejam eleitos por juízes”, disse.
O chefe de Estado referiu que a “fórmula da lei portuguesa”, ao juntar nestes órgãos membros eleitos por juízes e membros “eleitos por outros órgãos do poder político do Estado” pretendia “contrabalançar” a “intervenção exclusiva dos juízes, com o eco, através de outros poderes do Estado, do que seria a vontade da sociedade”.
Lembrou que, “por indicação” do seu antecessor, Cavaco Silva, desingnou “não magistrados judiciais” para os dois órgãos de cúpula da magistratura, o que depois veio a corrigir “parcialmente” em relação ao CSM, permitindo um regresso à maioria de membros juizes nesse órgão.
“Tendo a considerar — seja embora isso matéria da competência legislativa — que talvez faça sentido que a maioria dos membros seja constituída por magistrados judiciais. é uma questão em debate, é uma questão a ser ponderada. Certo é que se assim não for, se não houver alteração legislativa, naturalmente que um ponto a repensar é, no outro caso em que não houve designação de magistrado, se possa repensar a possibilidade de passar a haver maioria de magistrados”, disse o Presidente da República.
Já na abertura do congresso dos magistrados, na quinta-feira, o vice-presidente do CSM, o juiz conselheiro José Sousa Lameira tinha defendido a importância da maioria de juízes neste órgão para a independência do poder judicial que, podendo ter membros nomeados externamente, não pode ter os juízes “representados em minoria no seu órgão constitucional de autogoverno”.
“A maioria de juízes é possível, como atualmente acontece, mesmo sem qualquer alteração legislativa, se o Excelentíssimo Presidente da República nomear um juiz conselheiro”, sublinhou.
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