“As tecnologias digitais podem ser poderosos instrumentos para combater a pobreza. Populações antes marginalizadas podem ter agora acesso à banca e aos serviços”, assinalou numa entrevista por escrito à Lusa Amina Mohammed, 57 anos, que na terça-feira participa numa conferência em Lisboa sobre desenvolvimento sustentável.

“Em geral, as novas tecnologias são um incrível progresso para a humanidade. Mas é necessário desenvolvê-las com os direitos humanos no centro, para mitigar os riscos que também acarretam. Sem esforços conscientes, as novas tecnologias podem agravar as desigualdades”, considerou a ex-ministra do Meio Ambiente da Nigéria, que em 28 de fevereiro de 2017 foi empossada pelo secretário-geral, António Guterres, no cargo de vice-secretária-geral da ONU.

O uso diário da inteligência artificial, que “pode afetar a forma como trabalhamos, aprendemos e vivemos”, terá de ser aproveitado para a “igualdade e prosperidade” e encarado como um direito a um rendimento mais justo, educação, melhores cuidados de saúde, defende a responsável da ONU, que sublinha as iniciativas da organização para o reforço da cooperação internacional em torno das tecnologias que ajudem os mais marginalizados, e a campanha para a proibição das armas letais autónomas, solicitada por António Guterres.

“Outro dos exemplos promovidos pela ONU é o uso das tecnologias para combater o discurso do ódio. A velocidade e magnitude da disseminação de mensagens negativas e prejudiciais, em particular nas redes sociais, não tem precedentes”, alerta.

“Estamos a aumentar os esforços para monitorizar os media sociais, as emissões de rádio, para detetar quando as comunidades marginalizadas se tornam num alvo. E que têm um efeito particularmente forte nas mulheres e nas populações não-brancas”, sublinha, antes de recordar os desafios em torno da biotecnologia, e os esforços das Nações Unidas “para discutir a ética no contexto de novas descobertas e tecnologias do futuro”.

A igualdade de género constitui para Amina Mohammed outro eixo central da política da organização mundial, liderada por António Guterres desde janeiro de 2017.

“Desde que tomou posse, o secretário-geral da ONU assumiu como prioridade o igualdade de género, um objetivo decisivo para atingir os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável [Agenda 2030], e ainda a nível interno da ONU”, recorda.

Nesta perspetiva, a liderança da ONU comprometeu-se em alcançar a paridade de género na instituição ao introduzir a “Estratégia de Paridade de Género” para assegurar a diversidade e representação em todo o sistema.

“Um ano após a aplicação da estratégia, já foi garantida a igualdade de género no grupo de altos funcionários dependentes do secretário-geral, em particular no seu gabinete, e nas chefias da ONU a nível de país. Pela primeira vez em décadas estamos em vias de garantir a paridade nas lideranças séniores das Nações Unidas”, assinala a responsável.

Na qualidade de “organismo global”, Amina Mohammed considera que o dever das Nações Unidas consiste em representar “os povos que servimos, essencial para a nossa credibilidade, a nossa eficácia, e os nossos valores”. E ainda proporcionar “um direito democrático para uma representação igualitária”, na concretização dos objetivos que almejam: paz sustentável, desenvolvimento sustentável, e direitos humanos.

“As alterações nas lideranças são apenas um primeiro passo, o objetivo consiste em garantir a paridade na ONU e a todos os níveis até 2020 — e deste forma criar um modelo e cultura institucional de liderança para outros”, considerou.

O combate às alterações climáticas permanece outro aspeto central nas preocupações da “número dois” da ONU, que também foi conselheira especial do ex-líder das Nações Unidas Ban Ki-moon sobre desenvolvimento sustentável, participando da criação da Agenda 2030.

“O combate contra as consequências das alterações climáticas é uma batalha que não estamos a vencer de momento”, reconhece. “E as implicações são terríveis. O secretário-geral esteve recentemente no Pacífico, onde nações inteiras estão ameaçadas de desaparecer debaixo de água”.

Ao referir-se à sua experiência pessoal, refere as deslocações que efetuou ao Chade e Níger em 2018: “Vi o impacto da crescente seca na região, e que desafia os nossos esforços para um desenvolvimento sustentável, paz a segurança”, sublinhou.

Os números são alarmantes, diz Amina Mohammed ao recorrer a relatórios recentes.

“Existe o risco de extinção de um milhão de espécies nos próximos anos. O aumento do nível do mar implica uma maior escassez de água potável e da segurança alimentar, o aumento da poluição nas cidades está relacionado com a deterioração das condições de saúde para milhões de pessoas, e os nossos oceanos, que são literalmente os pulmões do nosso planeta, estão repletos de plástico e poluição”.

Perante este panorama, a dirigente da ONU insiste na necessidade de uma “ação coletiva global”, e considera a Cimeira do Clima 2019 que vai decorrer em setembro “uma iniciativa decisiva do secretário-geral para incrementar a nossa ambição e acelerar rapidamente” a aplicação do Acordo de Paris sobre o clima.

“A ambição desta cimeira, entre outros objetivos, também consiste em demonstrar que os governos e os atores decisivos da sociedade civil possuem planos credíveis na transição para uma economia com emissões ‘net zero’ [neutralidade carbono] em meados deste século, a começar em 2020″, precisou.

As crescentes desigualdades sociais e a forma de as combater num mundo globalizado foram outro tema privilegiado pela responsável nigeriana, que denota uma diminuição do crescimento, aumento das tensões comerciais, incerteza nos mercados financeiros, persistência de uma dívida insuportável em muitos países, inéditas movimentações populacionais.

“Necessitamos de mais justiça e de uma economia global dirigida a todos e que assegure oportunidades para todos”, indica, numa referência à Agenda para o Desenvolvimento Sustentável 2030.

“Os 17 objetivos do desenvolvimento sustentável constituem um plano de acordo a nível global para a construção de um mundo mais equilibrado e que não deixe ninguém para trás. E estes objetivos políticos, económicos e sociais dão total prioridade à sustentabilidade, interdependência e oportunidades iguais”, refere.

Os objetivos prioritários da ONU, na perspetiva da vice-secretária geral, também não devem ser dissociados da necessidade de os seus organismos internos, incluindo o Conselho de Segurança, garantir as condições para enfrentar as mudanças do mundo atual.

“Em relação às alterações na composição no Conselho de Segurança, a Carta das Nações Unidas deixa claro que os Estados-membros têm de concordar na alteração da Carta da ONU para atingir esse objetivo”, esclarece.

“Há décadas que os Estados-membros discutem a melhor forma de garantir essa reforma, e encorajamo-los a trabalhar em conjunto para encontrar uma solução mutuamente aceitável”, sustenta.