O Governo nacionalista hindu do Partido Bharatiya Janata (BJP) adotou em dezembro de 2019 a emenda à lei de cidadania, que pela primeira vez faz da religião uma base para a cidadania.
O texto procura dar nacionalidade a imigrantes clandestinos do Afeganistão, Bangladesh e Paquistão que pertencem às religiões hindu, sikh, budista, jainista, parsi e cristã, mas exclui muçulmanos.
A emenda provocou protestos em massa na Índia desde dezembro, uma vez que uma parte da população a considera discriminatória contra os muçulmanos e contrária ao espírito laico do país, e o Supremo Tribunal está a julgar a sua constitucionalidade.
O relatório de 82 páginas hoje divulgado pela HRW, intitulado “‘Dispare nos traidores': discriminação contra muçulmanos sob a nova política de cidadania da Índia”, mostra que a polícia e outras autoridades falharam repetidamente em intervir quando apoiantes do Governo atacaram aqueles que protestavam contra as novas políticas de cidadania.
No entanto, sublinha a organização não-governamental, a polícia foi rápida em deter os críticos da política e em dispersar as suas manifestações pacíficas, inclusive usando força excessiva e letal.
O relatório é baseado em mais de 100 entrevistas com vítimas de abuso e suas famílias na região de Nova Deli e nos estados de Assam e Uttar Pradesh, além de especialistas em direito, académicos, ativistas e polícia.
As alterações à lei de cidadania surgiram no âmbito de uma campanha do Governo do BJP para instituir um processo nacional de verificação da cidadania, com o objetivo de detetar “imigrantes ilegais”.
Embora o processo de registo populacional tenha sido entretanto adiado para impedir a disseminação da covid-19, declarações do ministro do Interior e de outros líderes do BJP fazem temer que milhões de muçulmanos indianos, incluindo muitos cujas famílias vivem no país há gerações, possam ser despojados da sua cidadania e privados dos seus direitos, alerta a HRW.
As Nações Unidas e vários Governos criticaram publicamente as alterações à lei da cidadania indiana, dizendo que são discriminatórias com base na religião.
No entanto, sublinha a ONG, as autoridades do BJP ameaçaram os manifestantes, enquanto alguns dos seus apoiantes se envolveram em ataques contra críticos e manifestantes antigovernamentais.
Alguns líderes do BJP pediram que os manifestantes, que descreviam como “traidores”, fossem mortos.
Em fevereiro, em Nova Deli, confrontos e ataques da multidão hindu contra muçulmanos resultaram em mais de 50 mortes e pelo menos outras 30 pessoas, a maioria muçulmanas, foram mortas durante protestos nos estados governados pelo BJP, particularmente em Uttar Pradesh.
Testemunhas e vídeos citados pela HRW comprovam a cumplicidade da polícia com a violência, havendo mesmo um episódio em que agentes policiais batem em cinco muçulmanos feridos nos confrontos e ordenam-lhes que cantem o hino nacional.
Em agosto de 2019, Assam tornou-se o primeiro estado indiano a concluir o registo nacional de cidadãos, mas o processo deixou quase dois milhões de pessoas em risco de detenção arbitrária e de ficarem apátridas naquele estado no nordeste da Índia.
A HRW descobriu que o registo em Assam carecia de padronização, levando a decisões arbitrárias e discriminatórias por parte dos funcionários, tornando muito difícil a reivindicação da cidadania por parte dos mais pobres, que não têm acesso à documentação de identidade – situação que remonta há décadas.
As mulheres, que são mais propensas do que os homens a não terem acesso à documentação na Índia, foram extremamente afetadas, alertou a organização.
O processo em Assam aumentou os temores sobre o registo nacional de cidadãos.
Os tribunais para estrangeiros, que decidem as questões de cidadania em Assam, carecem de transparência e procedimentos uniformes, referiu a Human Rights Watch.
Os grupos de direitos humanos e os media informaram que significativamente mais muçulmanos estavam a ser julgados e uma proporção muito maior foi declarada estrangeira em comparação com os hindus, devido à aparente pressão política.
Até alguns funcionários do Governo indiano e militares foram declarados imigrantes irregulares.
Segundo a HRW, a emenda à lei da cidadania viola as obrigações internacionais da Índia de impedir a privação da cidadania com base na raça, cor, descendência e origem nacional ou étnica.
O Governo indiano, sublinha a organização, deve revogar a emenda e garantir que qualquer futura política nacional de asilo e refúgio não discrimine por nenhum motivo, incluindo religião, e cumpra os padrões legais internacionais.
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