Montessori. Nome de um método de ensino e sobrenome de uma pedagoga e psiquiatra italiana (Maria Montessori) que viveu entre 1870 e 1952. Pode dizer pouco a muita gente, reconhecemos, mas esta metodologia secular de educação que revolucionou o sistema educativo nos princípios do século XX está mais atual que nunca. Tem conquistado adeptos um pouco por todo o mundo e chegou a Portugal. Onde tem uma escola.
“Mais que um conjunto de técnicas, mais do que uma pedagogia, que também é, é uma forma de olhar a criança com vista a ajudar a sua vida, para que se envolva”, atira Gabriel Salomão, professor e ele mesmo educado, no Brasil, numa escola montessoriana. “O foco é a criança”, reforça, uma frase proferida, por diversas vezes, ao longo da conversa. Um foco que decorre “o tempo todo”, reitera.
A autonomia e a independência são as principais características do método Montessori, cuja criadora, que lhe deu nome, acreditava no despertar da curiosidade da criança através da liberdade, embora com limites, debaixo do olhar de quem ensina.
Por outro lado, destaca a importância do respeito pelos diferentes níveis de aprendizagem de cada uma das crianças e a adaptação dos métodos de ensino a cada qual, de forma retirar o melhor de cada um.
Uma descrição sumária que abre portas à descoberta da essência do método, explicado numa visita guiada a uma escola montessoriana, sita na Rua Soeiro Pereira Gomes, em Lisboa, integrada num condomínio residencial – Jardins de São Lourenço.
Dos estímulos apresentados às crianças, à liberdade e autonomia dada, à forma de impor limites, passando pelo papel do professor e a avaliação feita, e pela tríade dinâmica que contempla criança, professor e ambiente, o SAPO24 procurou entender melhor o Método Montessori de ensino, descrevendo-o.
Quando o estímulo é tudo numa sala de 30m2
O ponto de partida é uma porta envidraçada que antecipa um mundo novo fora do padrão escolar. Há frases escritas na parede que falam, por exemplo, da relação da criança com o meio ambiente e retratos de quem deu vida a esta ideia de educação.
As salas estão divididas: o atelier, inaugurado em 2017, “destinado a crianças dos 18 aos 36 meses, que estão na escola na companhia dos pais” e a escola “dos 3 aos 6 anos”, que abriu em setembro, explica Maria António Boyen, cofundadora da escola.
Tudo é pensado e construído para o tamanho de quem está ali para aprender. Mesas únicas e duplas, quadradas e circulares, convidam à descoberta sozinho e à partilha em grupo. Não há portas nos armários e os materiais usados saltam à vista.
“A ideia é dar a sensação de acolhimento e de que estão em casa. Mais que continuar em casa eles chegam a casa, porque a casa da criança é a dos pais e não dela, feita para ela”, adverte. “Aqui o espaço é deles”, frisa.
Os materiais didáticos montessorianos são coloridos, estimulantes, corretivos, sendo que “cada um leva ao interesse pelo seguinte” e convidam ao conhecimento, à descoberta e exploração sensorial. “Na educação infantil, o norteador é a educação dos sentidos. É uma fase em que as crianças estão abertas para a exploração sensorial pelo que o ambiente é preparado para esse trabalho. A partir do sensorial vêm o domínio de si e o respeito pelo ambiente”, explica Gabriel Salomão.
Há uma organização desenhada de acordo com as necessidades de cada qual, “decidida pelo professor de acordo com as necessidades do grupo. Nada é fixo”. Perante os materiais selecionados a criança tem a livre escolha de trabalhar com o que mais lhe interessar. Desengane-se, no entanto, quem pense que as atividades são “à balda”. “O professor observa, acompanha tudo e atua como um mediador entre a criança, o material e o ensinamento que resulta dessa interação”, atenta. E ninguém fica parado na casa de partida. “A própria natureza de curiosidade leva a que partam à descoberta dos passos seguintes, explorando novos objetos”.
Primeiro cantam em círculo, depois conquistam a liberdade e a independência
Depois de entrarem na escola, “as crianças começam o dia cantando em círculo. Uma ou duas músicas”, começa por dizer Gabriel Salomão, que assumiu a pele de orador em sessões de esclarecimento sobre o método que decorreram na escola em causa.
“Descobrem que dia é e que tempo (meteorologia) faz. Dura três minutos. Depois têm o dia inteiro livre para fazerem o que entenderem na sala, juntas ou sozinhas”, adianta. “Até aos 5 anos gostam mais de fazer sozinhas”, assegura.
Numa sala que comporta até 15 crianças, “até aos seis anos [as crianças] despertam a individualidade e não o individualismo”, refere. “A criança acabou de nascer e ainda está a descobrir o que é, o que é capaz de fazer e o que sente. Tem muito dentro dela para ser descoberto e desenvolvido”, continua.
Nos primeiros anos há dois pilares de trabalho. “O primeiro é promover a conquista de independência na criança”, que até aos “seis anos” significa “independência física”, explica. “Tudo necessita de ser acessível. Para a altura. E tudo o que seja utilizado para a aprendizagem, seja para amarrar os sapatos, seja para a multiplicação em matemática, precisa de ser usado pelas mãos da criança, pelo corpo, o tempo todo”. Por isso, tudo o que é ensinado é por via dessa “independência física”.
A autonomia é uma das bases da educação montessoriana. A “sala de vida prática” (com uma cozinha e uma tábua de passar a ferro) “é o coração” de um ambiente montessoriano. “Tudo o que está aqui favorece o desenvolvimento e a independência da criança, para que seja capaz de cuidar de si, dos outros e do ambiente, sem depender do adulto. Aprende a coser, cozinhar...”, descreve. “Necessita primeiro conhecer o necessário para depois usar essa criatividade. Essas atividades servem para isso. E quando domina o básico consegue criar em cima de”, sublinha.
O segundo pilar é o “desenvolvimento da liberdade”, liberdade compreendida da seguinte forma: a criança “é livre” para fazer qualquer coisa que ajude no seu desenvolvimento. Faz o que quiser, mas tem de ser “apresentada àquele objeto”. A liberdade, diga-se em abono da verdade, tem uma restrição: “[a criança] não pode fazer coisas que lhe sejam prejudiciais a ela, aos outros e ao ambiente”, avisa.
Sem TPC’s, nem notas. Eis uma avaliação montessoriana
Nesta altura entra em campo a mão invisível dos professores cuja função é “prevenir e antecipar mais do que combater”. Por isso, sustenta Gabriel, “o papel do professor numa sala como esta é menos ensinar e mais observar. Toma nota do que as crianças fazem e antecipa as tarefas a fazer a seguir depois de completadas”, descreve.
E como são avaliados? A pergunta impõe-se, em especial em pais que usam e abusam dos elogios às notas dos filhos. “Não temos explicações, trabalhos para casa ou avaliações formais, nem exames”, explica. “A nota é exigida legalmente pelos governos e convertemos em números para entregar, mas as crianças não as recebem”, garante.
Para o método Montessori é muito importante o respeito do ritmo (próprio) de aprendizagem de cada uma das crianças o que permite uma aprendizagem mais eficaz e menos morosa. O método considera ainda que em cada idade há as janelas de oportunidade nas quais as potencialidades do aluno são mais propícias a ser exploradas.
A visita e explicação encerram com uma nota que esta educação é para a vida, que o aluno será ensinado para ser um cidadão do mundo e que aquilo que aprende terá aplicação, para lá das portas da escola, para o bem-estar comum.
Por fim, e para quem dá importância a estas estatísticas de “famosos”, os príncipe George e a princesa Charlotte, do Reino Unido, estudam em escolas montessorianas. Anne Frank, Gabriel García Márquez, os cofundadores da Google, Sergey Brin e Larry Page, o CEO da Amazon, Jeff Bezos, foram educados segundo os princípios em que assenta este método que começou a ser desenvolvido há mais de um século e cuja primeira escola tinha o nome de “A casa das crianças”.
Entre o ceticismo e o talvez. Dois olhares sobre o método
Paulo Carvalho, engenheiro de software, foi um dos pais que esteve presente numa das formações sobre o Método Montessori. Fê-lo por “mera curiosidade", porque "poderia aprender algo e aplicar na educação” dos filhos. Saiu tal como entrou: cético, um ceticismo que não “é dirigido apenas ao Método Montessori", é um “exercício deliberado" que procura "exercer sobre todas as facetas da vida”, reconhece.
Estudos sobre o método e quantificação de resultados do mesmo, não há muitos. Paulo Carvalho socorre-se, no entanto, de um artigo científico publicado pela Nature, no qual encontra eco para uma análise à eficácia do próprio método Montessori que faz.
“Vejo o Método Montessori como apenas mais um método pedagógico entre outros, como o São João de Deus, Waldorf, Reggio Emilia ou as escolas Sudbury. Se é o melhor e o mais eficaz para as crianças em comparação com os restantes, ou sequer com o método convencional, não fiquei esclarecido”, sublinha.
Luísa Vian, diretora do Colégio "O Nosso Jardim" (Maria Ulrich), em Lisboa, escola que trabalhou sob o “método” e com “material Montessori”, começa por afirmar que deve “a génese” da sua formação a Maria Montessori.
No entanto, apesar de reconhecer “os benefícios” e “atualidade” do método, de não encontrar “nada com que não concorde” e de acreditar que “vive na base” do seu trabalho e no da “maioria dos educadores”, não o aplica “tal como ele é”.
A razão é simples: “um dos fascínios desta profissão é exatamente o conhecimento particular de cada criança e a descoberta do melhor método para chegar até ela. Todos os dias nos aparecem crianças que nos mostram que aquilo que tomávamos como certo em educação, não 'vale' com elas”, assume.
A diretora da Escola “Nosso Jardim” admite, todavia, que “se um dia me obrigassem a optar por um método educativo único, talvez escolhesse Montessori…”.
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