“Não há qualquer restrição ao acesso à inovação por razões de natureza financeira, como casos recentes o mostram de uma forma clara e inequívoca”, afirmou a ministra Marta Temido em declarações aos jornalistas à margem de uma cerimónia da Direção-Geral da Saúde que hoje decorreu em Lisboa.
A ministra foi questionada sobre a posição assumida hoje pela Ordem dos Médicos que afirma que há clínicos que estão a ser “impedidos de proteger a vida de doentes com cancro”, denunciando barreiras no acesso a “medicamentos potencialmente inovadores” que colocam “doentes em risco de vida”.
Marta Temido disse que “rejeita por completo” a perspetiva de que haja barreiras no acesso a medicamentos inovadores, considerando que o que pode estar em causa são “divergências entre análises técnicas e clínicas”.
“É eventualmente uma questão de divergência entre análises técnicas e clínicas que terão de ser dirimidas entre os próprios [peritos] com mais discussão e maior formulação”, afirmou, aconselhando que estas questões sejam debatidas em “sede própria” e ainda “talvez com algum resguardo”.
Para a ministra da Saúde, o caso recente das crianças com a forma mais grave de atrofia muscular espinhal, como a bebé Matilde, que serão tratadas no Serviço Nacional de Saúde com acesso a um medicamento inovador é um dos exemplos de que não há barreiras à inovação por restrições financeiras.
Em causa na tomada de posição hoje divulgada pela Ordem dos Médicos está uma denúncia do colégio de oncologia médica que indica que o Infarmed recusou tratamentos contra o cancro que poderiam ter impacto na vida dos doentes.
Tal como afirmou hoje a ministra, já no sábado, após a divulgação da notícia pelo semanário Expresso, o presidente da Autoridade do Medicamento assegurou que a avaliação das autorizações especiais para uso de fármacos para o cancro tem em conta critérios que são apenas técnicos e clínicos, com base na análise de peritos médicos.
Em declarações no sábado à agência Lusa, o presidente do Infarmed, Rui Ivo, indicou que se trata de casos de medicamentos que ainda estão em avaliação e sobre os quais os médicos podem pedir acesso através de uma autorização de utilização excecional (AUE), sendo que estas autorizações são decididas com base no parecer de peritos médicos, muitos deles oncologistas de hospitais do Serviço Nacional de Saúde (SNS), incluindo dos Institutos de Oncologia.
Estas autorizações de utilização excecional servem para que os médicos possam pedir acesso a um fármaco enquanto este ainda está a ser submetido a avaliação fármaco-económica para poder ser comparticipado e cedido pelo SNS.
Segundo disse, a avaliação das AUE é feita por peritos médicos, com base em critérios técnicos e clínicos, estando de parte as questões de financiamento.
Também Nuno Miranda, médico oncologista e perito da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde, realçou à Lusa que na avaliação das AUE de um medicamento não é tido em conta o preço do medicamento (questão que fica para a avaliação da análise fármaco-económica que decide se será cedido no SNS a todos os que necessitem).
No caso que foi denunciado pelo Colégio de Oncologia no jornal Expresso, Nuno Miranda salienta que é uma terapêutica adjuvante, para doentes com cancro que já foram submetidos a cirurgia ou tratamento.
“O benefício eventual é marginal (…). Não faz uma diferença dramática sobre a vida dos doentes”, indicou o médico oncologista à agência Lusa.
Nuno Miranda recordou que a figura da AUE serve para dar acesso a medicamentos que ainda estão a ser submetidos a uma avaliação e nos casos de risco de vida iminente ou quando há risco real de progressão da doença.
“No caso da terapêutica adjuvante, não fazendo uma diferença dramática sobre a vida dos nossos doentes, o que faz sentido é esperar pela avaliação fármaco-económica para ver se faz sentido mudar de medicamento. É necessário avaliar a eficácia, a toxicidade e o preço”, comentou.
O oncologista sublinhou ainda que estes doentes já estão em tratamento, foram submetidos a cirurgia, “o tratamento mais importante que deviam fazer”, sendo a terapêutica adjuvante uma eventual alternativa à medicação que estava já determinada e prevista.
Contudo, mesmo depois destas declarações, o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos entendeu hoje que há clínicos que estão a ser “impedidos de proteger a vida de doentes com cancro”, denunciando barreiras no acesso a “medicamentos potencialmente inovadores” que colocam “doentes em risco de vida”.
O órgão máximo da Ordem quer que sejam diretamente responsabilizados os diferentes peritos envolvidos na cadeia de acesso ao medicamento por decisões erradas que impeçam de “preservar a vida de doentes com cancro”.
Comentários