O despacho de arquivamento do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Lisboa, a que a agência Lusa teve hoje acesso, diz que, tanto o inspetor da PJ e três amigos que o acompanhavam, assim como os quatro agentes da PSP presentes na operação, apresentaram, nas respetivas queixas, “versões contraditórias dos factos”, ocorridos entre Alcântara e Santos, na continuação da Rua da Cintura do Porto de Lisboa, na madrugada de 02 de dezembro do ano passado.
Na versão dos agentes da PSP, o inspetor da PJ “foi mandado parar e, não só desobedeceu à ordem, como guinou para cima e na direção” de um dos polícias, “tentando assim atropelá-lo", o que só não aconteceu porque este deu um salto.
Perante a suposta desobediência, os polícias foram atrás da viatura que acabaria por ser alcançada pouco depois. O auto de notícia relata que o inspetor da PJ se recusou depois a fazer o teste de álcool e que, nesse momento, um dos amigos saiu da viatura, tentou puxar o seu braço, ao mesmo tempo que insultava aos agentes policiais.
Os polícias relatam que lhe deram ordem de detenção, ao que o suspeito reagiu, empurrando-os, pelo que “foi necessário manietá-lo e algemá-lo”. Ato contínuo, o inspetor a PJ “tentou impedir” que o amigo fosse algemado, empurrou um dos polícias e também recebeu voz de detenção. Ambos foram detidos e transportados para a esquadra.
Já a versão do inspetor da PJ, corroborada pelas três pessoas que o acompanhavam, é diferente da dos polícias. O inspetor diz que “não desobedeceu à suposta primeira ordem de paragem, nem muito menos guinou para cima e na direção do agente da PSP, tentando assim atropelá-lo”.
Acrescenta que apenas foram mandados parar uma vez, que “obedeceu de imediato e saiu do veículo, identificando-se como inspetor da PJ, perante o que os agentes assumiram uma atitude agressiva, num tom de voz autoritário, pondo em causa a veracidade da identificação da Polícia Judiciária, dizendo que qualquer pessoa podia comprar um crachá daqueles na loja do chinês, e iniciando o procedimento de despiste de álcool no sangue”.
O inspetor da PJ conta que, “perante a atitude de agressividade manifestada pelos agentes da PSP – pelo menos dez –", o seu amigo dirigiu-se aos polícias e, “sem qualquer palavra ofensiva”, questionou-os apenas da razão de ser de estarem a tratar daquela maneira um 'colega'.
De imediato, descreve o inspetor, o seu amigo foi algemado sem “qualquer justificação”, acrescentando que não se negou a realizar o teste de álcool, o qual interrompeu face ao que se estava a passar com o seu amigo, o que levou a PSP a detê-lo, “também sem qualquer fundamento”, pois “mais não fez do que questionar o absurdo do que estava a acontecer”.
O despacho de arquivamento da 4ª secção do DIAP de Lisboa sustenta que “há incongruências na versão da PSP, que, podendo corresponder à verdade, não deixam de causar perplexidade e dúvidas sobre o que verdadeiramente se passou”.
"Na verdade, a versão da ordem de paragem com tentativa de atropelamento, que pode ter ocorrido, não quadra, de acordo com as regras de experiência comum, com a conduta imediatamente subsequente dos agentes da PSP. Perante uma tal situação, o normal seria o condutor em causa ser imediatamente detido e o veículo apreendido, por ter sido usado na prática de um crime. Nada disso aconteceu", salienta o despacho de arquivamento.
O MP frisa que, só depois da identificação como agente da Polícia Judiciária e da detenção do seu amigo, é que o inspetor, ao questionar essa detenção - porque agarrou o braço e empurrou o polícia que algemava o seu amigo -, foi detido e algemado.
"Isto é, por uma conduta muito mais grave que lhe vem imputada [tentativa de atropelamento] não foi de imediato detido e algemado, mas por agarrar um braço e empurrar um agente, já foi detido e algemado", questiona o DIAP de Lisboa.
Contactado pela Lusa, Ricardo Serrano Vieira, advogado do inspetor da PJ, afirmou estar a "analisar o despacho e a ponderar a possibilidade de abrir a instrução”, na parte em que os agentes da PSP não foram acusados.
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