"É preciso dar mais importância e aumentar o PIB (Produto Interno Bruto) 'per capita' dedicado à saúde, de forma a responder, não só aos problemas da emergência, mas também aos problemas da prevenção, do tratamento e da evolução dos cuidados de saúde", disse à agência Lusa Alexandre Valentim Lourenço, após uma visita ao serviço de urgência do Hospital São Bernardo, em Setúbal, a que se seguiu uma reunião com médicos daquela unidade hospitalar para debater os problemas do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
"O PIB `per capita´ antes da intervenção da 'troika' andava à volta dos 6,5% para a saúde no SNS, no anterior Governo era de 5,3% e atualmente está nos 4,8%. Estamos mais abaixo do que estávamos na altura da intervenção da `troika", disse, salientando que alguns países europeus gastam "oito e nove por cento" do PIB na saúde.
Confrontado com o crescimento do setor privado na área da saúde, Alexandre Valentim Lourenço reconheceu que o dinheiro do Estado canalizado para o setor privado seria mais útil no SNS.
"Ao canalizar para o exterior contratualizações à peça, para empresas que, muitas vezes, não têm rosto, e que não estão sob a alçada dos diretores clínicos e diretores de serviço, estamos a piorar muito a qualidade. E, por isso, esse dinheiro que é investido fora do sistema, se for colocado no SNS, claramente, vai permitir melhorar muito o SNS", disse.
Referindo-se ao Hospital São Bernardo, o presidente do Conselho Regional Sul da Ordem dos Médicos considerou que o serviço de urgência está subdimensionado para a população e carente, quer de recursos humanos, quer de espaço, e lembrou que há a promessa de um novo serviço de urgência para aquela unidade hospitalar de Setúbal, mas que tarda em ser concretizada.
"Há um serviço de urgência prometido há muitos anos e que não vemos meio de ser efetivado. A qualidade da assistência aos doentes da região está afetada por esta falta de capacidade do serviço de urgência de responder às populações. O serviço de urgência canibaliza toda a capacidade do hospital de trabalhar de uma forma calma. Vive-se em função da urgência, que funciona mal e, por isso, os médicos e outros recursos são desviados para o serviço de urgência, não se fazendo aquilo que o hospital sabe fazer bem", disse.
"Não há médicos novos - os concursos são sistematicamente atrasados - e os que se mantêm no hospital estão a atingir o limite de idade e um cansaço extremo e não conseguem responder às solicitações", acrescentou Alexandre Valentim Lourenço, advertindo que estes problemas, comuns a vários hospitais, estão a atingir alguns serviços que estavam protegidos, como a maternidade e a urgência pediátrica.
As críticas à situação no Hospital São Bernardo e no SNS foram partilhadas por Pinto de Almeida, do Sindicato Independente dos Médicos, que sublinhou o esforço de muitos médicos para minimizarem os prejuízos para a população decorrentes da falta de médicos e de outros profissionais na área da saúde.
"O SNS está com uma grande carência de médicos - não só de médicos, mas de outras áreas profissionais também - e aquilo que notamos é que uma grande percentagem dos médicos está com idades elevadas, mas continuam sem invocar as regalias que teriam, de escusa ao serviço de urgência, para tentar que os serviços se mantenham a funcionar. Se não houvesse esse esforço, provavelmente grande parte dos serviços já teriam entrado em falência", disse Pinto de Almeida.
"Na prática, o que foi construído desde o ex-ministro da Saúde Paulo Macedo, foi um SNS a duas velocidades. Há uma política de concentração excessiva de recursos humanos e técnicos em determinados hospitais, em função do reconhecimento dos centros de referenciação, e o que acontece a seguir é que vemos um afunilamento de cuidados, a falta de contratação de pessoas e o despovoar de todo um território relativamente à prestação de cuidados de saúde. As pessoas depois recorrem a meia dúzia de centros onde há problemas gravíssimos", acrescentou o dirigente do Sindicato dos Médicos da Zona Sul, Jorge Espírito Santo, que também participou no encontro realizado no Hospital São Bernardo.
Para Jorge Espírito Santo, é "necessário garantir que o SNS continue a ser capaz de formar médicos e de lhes proporcionar condições adequadas de trabalho".
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