Os serviços de Ação Social das Juntas de Freguesia são a entidade para a qual o maior número de casos é encaminhado, recebendo 108 dos 187 casos registados pela linha, que recebeu ainda 30 contactos de fora de Lisboa.
A linha SOS Despejos, que funciona através da linha telefónica gratuita 800 919 075 e do e-mail infodespejos@cm-lisboa.pt, visa "dar informação aos munícipes" e também "obter conhecimento das diversas ocorrências na cidade, percebendo qual a sua distribuição no território, de forma a estruturar novas medidas e apoiar opções políticas do Programa Local de Habitação", sendo sublinhado na proposta que aprovou o serviço que "não é uma linha para atribuição de casa".
Desde o início do funcionamento, a 1 de junho deste ano, a linha foi contactada sobretudo por residentes em Arroios, com 23 casos, e nas freguesias do centro histórico, como Santa Maria Maior, com 15 casos, Campo de Ourique e Penha de França, com 13 casos cada.
"Quem contacta a unidade municipal procura muitas vezes ajuda por não saber o que fazer quando recebe uma carta de oposição à renovação do contrato ou de aumento de renda, necessitando principalmente de saber onde encontrar aconselhamento jurídico adequado", refere a informação transmitida à Lusa pelo gabinete da vereadora da Habitação, Paula Marques (movimento Cidadãos por Lisboa, eleita na lista do PS).
De acordo com o gabinete da vereadora da Habitação, "estes munícipes são encaminhados, em função das conveniências, ou para as Juntas de Freguesia da área de residência (108 casos) ou para a Associação de Inquilinos Lisboneses, que está a acompanhar 21 famílias ao abrigo do protocolo assinado com o município".
O contexto social dos munícipes - para a definição do qual concorrem rendimentos, eventuais problemas de saúde ou incapacidades ou menores em risco - dita o seu encaminhamento para os diferentes programas da Câmara de Lisboa de acesso à habitação com renda apoiada, programa de renda convencionada ou subsídio municipal ao arrendamento, refere a informação transmitida à Lusa.
No mesmo sentido, a maioria dos munícipes foi encaminhado para a Ação Social das juntas de freguesia da sua área de residência (108 casos), para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (39 casos) e para a Segurança Social (14).
Além dos 108 casos de oposição à renovação do contrato que constituem a maioria dos contactos, a linha registou 16 casos de despejo judicial e 11 situações de aumento de renda, tendo havido três casos que foram encaminhados para a Polícia Municipal por alegado 'bullying' imobiliário.
As famílias com menores e os idosos são os agregados em situação de vulnerabilidade que mais contactaram a linha SOS Despejos, num total de 110 contactos divididos igualmente por aqueles dois grupos, tendo-se ainda registado o contacto de 18 pessoas com deficiência.
Ao considerar-se a composição do agregado, a maioria dos contactos é feito por pessoas isoladas, em 58 casos, depois por mães com filhos menores, 29 situações, e casais com filhos menores, 23 casos.
Os casos que se enquadram na moratória à atual lei das rendas para cidadãos com mais de 65 anos ou com grau de incapacidade superior a 65%, que residam na mesma habitação há 15 anos, foram informados pelos técnicos da linha da existência dessa legislação e "aconselhados a deslocar-se ao apoio jurídico facultado pela Junta de Freguesia ou pela Associação de Inquilinos Lisbonenses" para confirmarem se estão abrangidos por aquela proteção.
De acordo com informação fornecida pelos munícipes à linha SOS Despejos, o rendimento dos agregados variava entre 180 e 4 mil euros mensais, estando em causa rendas de valores cujo intervalo se situa entre 1,75 euros e 911 euros.
Habita: “Esta linha promoveu uma ideia e uma ilusão de que as pessoas podem telefonar para lá e proteger-se em relação ao despejo, mas isso não está a acontecer. É preciso muito mais"
A associação Habita defendeu hoje que a “crise dos despejos” em Lisboa não se resolve com uma linha SOS, que considera ter criado “uma ilusão” de proteção nos inquilinos, e reclama regulação do mercado de arrendamento.
“Esta linha promoveu uma ideia e uma ilusão de que as pessoas podem telefonar para lá e proteger-se em relação ao despejo, mas isso não está a acontecer. É preciso muito mais. Em vez de se arranjar uma linha SOS Despejos, a Câmara Municipal de Lisboa e o Governo, que até são o mesmo partido político, têm de perceber que é preciso regular o mercado de arrendamento”, disse à Lusa Rita Silva.
A dirigente da Habita, que integra o coletivo de Lisboa STOP Despejos, acusa os executivos camarário e governamental de não estarem a dar “o devido valor à crise dos despejos” e desvaloriza o papel que uma linha como a que a Câmara Municipal de Lisboa (CML) criou há seis meses possa ter.
Rita Silva fala de “contágio” especulativo aos concelhos vizinhos da capital, de “bullying” praticado pelos senhorios, e da persistência na desproteção dos idosos, sublinhando que a moratória em vigor só protege pessoas com mais de 65 anos que tenham contratos anteriores a 1990.
Os dados do Balcão Nacional do Arredamento contabilizam 1.678 despejos em 2017, menos 13% do que em 2016 e o valor mais baixo desde 2013, data do início do funcionamento deste instrumento criado para agilizar o despejo de inquilinos com rendas em atraso, e que não reflete a situação de pessoas que são obrigadas a abandonar as casas pelo fim dos contratos.
Rita Silva disse que a associação apoiou pessoas que recorreram à linha por estarem a sofrer “bullying” ou a ser vítimas de despejos ilegais: “O que dizem muitas vezes do outro lado da linha é que a lei prevê a situação e, portanto, pouco há a ser feito”.
“Também não consegue apresentar alternativas às pessoas, apenas indicam concursos, por sorteio, e regulamentos de atribuição de habitação aos quais as pessoas depois concorrem, mas não conseguem obter resposta porque há milhares de pedidos para uma casa”, acrescenta a ativista, que nas eleições autárquicas ocupou o segundo lugar na lista do BE à CML, recusando assumir o mandato quando Ricardo Robles renunciou.
Contactada pela Lusa, a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa respondeu, por escrito, que “intervém sempre que seja necessária uma resposta imediata em situações de emergência, nas quais os cidadãos se encontrem numa situação de fragilidade em termos de habitação”, numa intervenção em “lógica de cogovernação, indo ao encontro às reais necessidades dos agregados”.
A notificação de não-renovação de contrato ou de “aumento brutal de renda” é a situação mais comum pela qual a Habita é contactada, que surge acompanhada pela falta alternativas de arrendamento acessíveis, incluindo em concelhos vizinhos, devido a um efeito de contágio de inflação das rendas.
“É preciso mais habitação pública e habitação pública de qualidade”
A Habita tem recebido muitos contactos de idosos e considera que também a moratória que protege pessoas com mais de 65 anos “é uma ilusão”: “O que há é uma proteção a pessoas com mais de mais de 65 anos com contratos anteriores a 1990. Estas pessoas são já muito poucas e vivem em prédios em que todo o prédio já foi esvaziado e ficam sozinhas num edifício que, entretanto, entra em obras profundas e a vida daquelas pessoas torna-se impossível”.
Os contratos cada vez mais curtos, “a maioria é por um ou dois anos”, diz Rita Silva, e avolumam-se as situações de “bullying” que chegam ao conhecimento da associação.
“Quando não têm reunidas todas as condições para interromper o contrato, ou porque ainda não chegou o fim do contrato ou porque uma pessoa tem uma determinada idade e um contrato muito antigo e ainda tem um período de proteção temporário, esses senhorios começam a desenvolver estratégias de pressão”, conta.
Das “mais subtis” às “mais evidentes”, passam frequentemente pela “violência psicológica”, assédio diário, cortes de energia, deterioração das condições da casa, às vezes provocando inundações ou fazendo buracos, danificação de espaços comuns do prédio, como portas e escadas, tornando o edifício inseguro.
Para a Habita, a “crise da habitação” da capital e no resto do país só se resolve com regulação do mercado de arrendamento, responsabilizando o PS pelos sucessivos atrasos que o dossiê tem tido no parlamento e que levaram à demissão da deputada eleita pelo PS Helena Roseta, que é simultaneamente presidente da Assembleia Municipal de Lisboa, da coordenação daquele grupo de trabalho.
Por outro lado, Rita Silva argumenta que “é preciso mais habitação pública e habitação pública de qualidade”.
“Portugal tem apenas 3% de habitação pública, enquanto, por exemplo, a Holanda tem 35%, a França e a Áustria têm também um número elevadíssimo. Não podemos entregar a habitação toda ao mercado porque o mercado é muito especulativo”, sustenta.
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