“Não estamos a julgar muçulmanos, só que os atos começaram aí [em mesquitas]. Há pessoas que se rebelaram contra o Estado a partir das mesquitas”, locais de oração da religião islâmica, referiu Geraldo Patrício.
A declaração do juiz surgiu depois de algumas arguidas muçulmanas terem afirmado que nunca rezavam, em resposta a questões do magistrado, suscitando dúvidas sobre se tentavam ocultar a religião.
Os primeiros seis arguidos hoje ouvidos recusaram qualquer ligação com um grupo armado que há um ano atacou a vila de Mocímboa da Praia, dando início a uma onda de violência em que já morreram quase 100 pessoas – entre militares e civis -, em aldeias e locais remotos das matas de Cabo Delgado.
Questionados pelo coletivo de juízes e procuradores pelo nome Al-Shebab, pelo qual ficou conhecido o grupo na região (apesar de não ter vínculo à organização terrorista com o mesmo nome), todos recusaram ligações.
Entre os arguidos que hoje falaram, um deles diz ter sido apanhado pela população dias depois do ataque, em Mocímboa da Praia, só porque era de outra povoação.
Duas mulheres são acusadas de cozinharem refeições para rebeldes, factos que também negaram.
Um outro ficou em silêncio face a várias perguntas e outros dois, um dos quais alegado transportador de armas, alegaram desconhecer quase tudo o que lhe era questionado.
Os arguidos têm dificuldade em compreender as perguntas feitas em português e expressar-se na mesma língua, decorrendo a sessão com recurso a tradutores de kimuani e macua, as duas línguas faladas de forma corrente pelos acusados.
O juiz que preside ao coletivo contestou algumas das respostas, notando haver contradições e mentiras entre depoimentos e face às provas, testemunhos recolhidos e informação que é do domínio público.
Geraldo Patrício explicou que as testemunhas vão ser chamadas num momento posterior do julgamento.
Apesar de só ouvir negações de envolvimento, o juiz tem insistido, mesmo assim, em perguntas dirigidas aos arguidos, tais como, qual o propósito do grupo que desencadeou os ataques ou porque queriam incitar as pessoas a atacar o Estado.
Os arguidos têm ainda sido confrontados com os nomes de várias outras pessoas alegadamente envolvidas nos ataques, mas negando sempre conhecê-los.
O Tribunal Provincial de Cabo Delgado espera conseguir ouvir 10 pessoas na sessão de hoje, que ainda decorre, e em cada uma das seguintes sessões até chamar todos os arguidos.
Alguns estão em liberdade, mas a maioria está detida em três prisões de Pemba a partir das quais vão ser transportados para as instalações do tribunal, para as audiências, como hoje aconteceu.
Cada arguido é interrogado pelo coletivo de juízes, pelos procuradores do Ministério Público e advogados de defesa – a maioria dos arguidos, sem posses para contratar defesa, é representada por advogados estatais.
Cinco crimes pesam sobre eles: homicídio qualificado, posse de armas proibidas, associação contra a organização do Estado, instigação ou provocação à desobediência coletiva e perturbação da ordem e tranquilidade públicas.
Os ataques no norte de Moçambique foram desencadeados há um ano por grupos recrutados em mesquitas que defendiam a imposição de leis islâmicas e os analistas ouvidos pela Lusa têm se dividido entre os que dizem haver ligações a crime organizado e terrorismo ou outras razões.
Entre outras causas, apontam uma revolta popular face à pobreza, antigas disputas de território entre etnias ou ainda manipulação política, visando destabilizar Moçambique, numa altura em que petrolíferas investem em gás natural, em Cabo Delgado.
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