“Da classe política ativa infelizmente não encontrei ainda sinais de interesse em discutir estes problemas estruturais no modo como preparamos as propostas de Orçamento do Estado e o modo como são negociadas e votadas na Assembleia da República”, disse o coordenador da Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO), sobre o relatório apresentado no parlamento, em março, sobre a reforma do processo legislativo do orçamento.
Ainda assim, considera que “nesta legislatura, que é uma legislatura de ouro por ter uma maioria absoluta e que nasceu de uma dissolução abrupta da legislatura anterior causada por alguns dos problemas identificados no nosso relatório, nomeadamente cavaleiros orçamentais, tenho ainda a esperança de que há uma oportunidade de ouro para mudar este modo como realizamos de forma hipócrita os Orçamentos do Estado”.
Para Rui Nuno Baleiras, existem três razões que dificultam o debate sobre a reforma do processo legislativo orçamental.
A primeira, aponta, é que tal implicaria “reformar uma parte do parlamento português” e as instituições “dificilmente se reformam por dentro”.
Em segundo lugar, a forma como os deputados são avaliados.
“Há um pouco o hábito do desempenho dos deputados na Assembleia da República ser avaliado em termos de prestações quantitativas e onde a qualidade está ausente”, considera, exemplificando que se dá primazia ao número de intervenções em plenário, ao número de petições ou ao número de propostas de alteração à proposta de Orçamento do Estado.
“Poder uma bancada apresentar 200 ou 300 propostas de alteração todos os anos dá muitos pontos para avaliação interna”, assinala.
Em terceiro lugar, identifica, “alguns partidos que utilizam o palco mediático que agora vai começar, sobretudo depois de se iniciar o debate na especialidade, em querer capitalizar esse palco mediático para ações públicas nos meses seguintes”.
O processo tem consequências penalizadoras, avalia, apontando que o Orçamento aprovado na votação final global pela Assembleia da República “sem que as 100/200/300 alterações que o parlamento introduziu estejam refletidas no Orçamento”.
“A verdade é que aprovamos uma lei do Orçamento todos os anos em que as peças não casam umas com as outras. As medidas de política que lá estão embutidas e que foram acrescentadas na última semana de votações foram-no sem que se alterassem os mapas contabilísticos”, afirma, salientando que “se essas medidas levam a um acréscimo de despesa ou diminuição de receita não temos a certeza — ninguém tem, nem o Ministério das Finanças -, de que haverá cobertura no Orçamento aprovado para as executa”.
Um défice acima do esperado só não ocorre, diz, porque os governos introduzem “medidas de racionamento na tesouraria da administração central durante a execução orçamental”, que “fazem com que muitas medidas que as oposições conseguiram fazer aprovar nem sequer são executadas”.
“O próprio funcionamento dos serviços públicos fica muito prejudicado, por causa de certas normas que são introduzidas na Lei do Orçamento e depois densificadas meses depois no decreto-lei de execução orçamental e que fazem com que os gestores das direções-gerais e empresas públicas não tenham a autonomia para executar o Orçamento”, remata.
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