No domingo, cerca da meia-noite, Maria Irene Pereira, de 90 anos, foi transportada para o lar da Sertã, no distrito de Castelo Branco, pelo que não assistiu ao pior, quando a aldeia ficou completamente cercada pelas chamas.
"Não hesitei [sair de casa], era para o meu bem e obedeci. Era a minha obrigação", explica à agência Lusa, enquanto na pequena horta junto à sua casa vai colhendo as couves, amparada por um pau que faz de bengala.
Desde que saiu, no domingo, de Vale da Galega, nunca mais soube de nada. Regressou à sua habitação na segunda-feira à noite e os seus olhos brilharam ao ver que as chamas lhe tinham poupado a habitação.
"A casa foi por uma bênção que não ardeu. Foi uma bênção muito grande que Deus me deu. Salvou-me a vida, os animais e a casa", afirmou.
Já em relação a prejuízos, explica que perdeu "um bocado" de pinhal e de eucaliptal e sobre o incêndio adianta que "ou é vingança ou lucro".
"Vou-me calar. Há horas para falar e escutar. Há horas para tudo", afirma do alto dos seus 90 anos, com uma voz límpida e cristalina que contrastam com o seu corpo cansado pelos anos.
Maria Irene Pereira adiantou ainda que estão sem energia elétrica desde domingo e que há também pessoas que nem telefone têm.
Por toda a aldeia, o cenário é desolador e tudo o que a vista consegue alcançar está pintado de preto. As fumarolas continuam a sair do "fundo" da terra queimada, apesar da chuva que caiu ao longo da noite.
No café Grilo, à entrada da aldeia, Manuela Dias recorda os momentos de aflição e deixa elogios aos bombeiros que, apesar de poucos e sem meios, "foram incansáveis".
"O mais complicado foi mesmo no domingo à tarde, quando começou a fazer muito vento. Mesmo assim, consideramo-nos uns sortudos no meio disto tudo", disse.
A proprietária do café recorda o trabalho incansável de um madeireiro da terra, o senhor Alexandre, "a quem toda a gente ficou a dever muito".
Apesar de ter perdido o seu pinhal e o do seu pai, diz que se não fossem os bombeiros tinham também perdido as habitações.
Já em relação à origem do incêndio, não tem dúvidas: "Acho que isto é um terrorismo muito bem organizado. Vivo aqui no meio da floresta. Toda a vida houve incêndios e muitas vezes nem os bombeiros vinham, mas nós conseguíamos apagar".
Agora, diz que "este lume não se apaga. Batemos, batemos com ramos e ele não se apaga", conclui.
António Dias, de 62 anos, reformado, adiantou que aquilo que se viveu "foi um inferno".
"Estivemos cercados de fogo por todos os lados", frisou.
Contudo, não contém a sua revolta em relação à Proteção Civil: "Como é possível funcionar como funciona?".
Não critica os bombeiros e recorda mesmo que os"homens" estavam completamente "estoirados e sem meios".
"Houve um comandante que me disse, vocês têm muita razão. Temos 19 carros para uma dimensão [de fogo] destas. As pessoas estavam aflitas e eles não conseguiam fazer mais nada porque não tinham meios. O incêndio era de tal dimensão que os homens [bombeiros] andavam mesmo desorientados", concluiu.
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