É Marie Rose Moro quem o diz, psiquiatra de crianças e adolescentes mas também especialista em "transcultura" e migrações, escritora e professora na universidade de Sorbonne, em Paris.
"A imigração muda, em função de guerras, dificuldades económicas, questões ambientais, mas não vai parar. Muda em função de conflitos, de movimentos políticos e económicos, mas é um dado essencial da constituição das sociedades europeias", diz em entrevista à Lusa.
Marie Rose Moro, ela própria filha de imigrantes espanhóis em frança, está hoje em Lisboa depois de ter participado na sexta-feira numa conferência sobre políticas de imigração na Universidade Católica.
E sobre o assunto diz à Lusa que a Europa tem de ser capaz de "ter competências transculturais, de ser capaz de acolher imigrantes, mas não como algo que assusta ou que desorganiza a sociedade ou cria tensão política".
É que, acrescenta, "faz parte da modernidade a imigração ser uma oportunidade não só para os que chegam mas também para os que acolhem". Porque afinal os imigrantes, lembra, são pessoas dinâmicas, com sonhos e ideias, com valores, com projetos e com coragem.
É certo, diz, que nem toda a Europa (União Europeia) de hoje pensa assim. Se é verdade que na boca de um economista a imigração é um fator positivo para a sociedade que a acolhe, há políticos que falam dela "como uma invasão e um problema".
"Há um tipo de discurso, reacionário, que não tem em conta a realidade, que utiliza a imigração como a causa de problemas. É assim em toda a Europa, talvez hoje um pouco menos na Alemanha e na Inglaterra, mas no resto da Europa há movimentos que fazem dos imigrantes a causa dos problemas", lamenta.
Otimista e pragmática, Marie, distinguida com a ordem máxima da nação francesa (legião de honra) lembra quando espanhóis e portugueses emigraram "em massa" para França, lembra os 800 mil portugueses que ainda hoje vivem no seu país e diz: "não são um problema".
"Pensamos que os imigrantes metem em causa os nosso valores, mas quando o pensamos somos nós que pomos esses valores em causa. Porque não é uma minoria que vai modificar os valores de uma maioria. Os valores da Europa seduzem, são interessantes, grandes, nobres e generosos, devemos ter mais confiança nos nossos valores e não ter medo dos valores dos outros", afirma entusiasmada e com convicção.
É certo, admite, que há movimentos em países europeus que agitam medos da imigração, por norma em países onde não há imigração. Mas, assegura, não passam de medos dos fantasmas que eles mesmo criam.
É certo também que, acrescenta, o discurso sobre imigração do Presidente eleito norte-americano, Donald Trump, "desinibiu e autorizou certos discursos (xenófobos) na Europa que estavam um pouco implícitos", na Hungria, na Holanda ou em França, por exemplo.
Mas é certo também, sintetiza, que é bom para uma Europa envelhecida a chegada de famílias jovens. "São elas que vão pagar as nossas reformas", afirma a sorrir.
Autora de dezenas de livros, muitos deles sobre migrações, Marie, 55 anos, trabalhou com a organização Médicos Sem Fronteiras em países da América do Sul, de África ou do Médio Oriente. Como cidadã francesa assistiu de perto a atentados terroristas mas não os liga à imigração.
"Antes do terrorismo as diferenças entre religiões já assustavam", responde quando questionada sobre se os atentados terroristas associados ao islão não são prejudiciais para os imigrantes muçulmanos. E recua de novo à vaga de imigração portuguesa para França, dos portugueses muito católicos "a trazerem de volta valores que os franceses já não queriam".
"Apesar de ser a mesma religião assustou, como se fosse regressar ao passado, como se ameaçassem a laicidade francesa. A história da imigração mostra-nos que o medo nem sempre é racional. Hoje tudo isso se dissolveu, hoje tem-se medo dos muçulmanos porque se tem sempre medo de alguém".
Na verdade, diz, os imigrantes, muçulmanos ou não, em França ou em Portugal, apenas querem recomeçar uma vida, ter os filhos nas escolas e através disso integrar-se na sociedade ("como se a escola fosse uma porta de entrada na sociedade"), aprender a língua e trabalhar.
E talvez, apenas talvez, um dia voltar à terra de origem, porque ainda que não voltem precisam de pensar que podem regressar. Marie retoma o exemplo dos portugueses em França, que compram em Portugal casas e terras ainda que não voltem. Mas faz uma ressalva: os portugueses são a comunidade que mais regressa ao país de origem, mais do que os italianos, os espanhóis ou mesmo os argelinos.
E a Europa que não tenha dúvidas. Nem medos. À vaga de refugiados de 2015 outras irão surgir, mais ou menos mediáticas, mais ou menos alvo de aproveitamentos políticos. A verdade, diz Marie, é que o futuro será assim. E não é diferente do que já foi o passado.
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