O título desta peça foi pedido emprestado a um texto com cerca de mil anos. Se quisermos ser fiéis à versão original, diríamos istud vinum, bonum vinum, que é como está escrito na Carmina Burana, título em latim de um manuscrito que reúne 254 poemas e textos dos séculos XI, XII e XIII, e que são apontados como espelho de um movimento europeu internacional da época. Seriam precisos mais uns séculos para que Carl Orff musicasse 24 destes poemas, entre 1935 e 1936, tornando-se o movimento de abertura e de fecho, “O Fortuna”, a peça clássica mais ouvida desde que foi gravada.

E, por alguma razão, essa peça acompanharia bem um texto em que vamos falar de uma iniciativa europeia que este ano tem palco em Portugal. E sim, vamos falar do vinho, também ele um produto intrinsecamente ligado à História da Europa e de Portugal. Neste caso, do vinho que há séculos é produzido na região que acolhe os dois lugares eleitos como “Cidade Europeia do Vinho” em 2018, Torres Vedras e Alenquer.

Então vamos lá ao princípio da história. Os municípios de Torres Vedras e Alenquer apresentaram em parceria a candidatura a “Cidade Europeia do Vinho 2018”, uma distinção promovida pela Rede Europeia de Cidades do Vinho (RECEVIN) que integra municípios de 11 países europeus. Palmela, em 2012, e Reguengos de Monsaraz, em 2015, foram também alvo desta escolha que noutros anos passou por locais como Marsala, Itália, em 2013, Jerez de la Frontera, Espanha, em 2014, Conegliano Valdobbiadene, Itália, em 2016 ou Cambados, Espanha, em 2017. E em 30 de novembro de 2017 soube-se que a escolha de 2018 recaía sobre Torres Vedras e Alenquer que representam duas Denominações de Origem (DOC) da região de Lisboa, possuindo uma forte tradição na cultura da vinha e do vinho.

"É um motivo de orgulho e de muita honra e resulta do trabalho que temos vindo a fazer com os Vinhos de Lisboa", afirmou aquando do anúncio o presidente da Câmara Municipal de Torres Vedras, Carlos Bernardes. "É um título importante para a divulgação do território e do produto, que é o vinho, que ainda é pouco conhecido, porque quando falamos em vinhos falamos sempre dos do Douro, do Alentejo ou do Dão e esta é uma oportunidade para os turistas conhecerem os Vinhos de Lisboa", disse, por seu lado, o presidente da Câmara Municipal de Alenquer, Pedro Folgado.

E a partir do mote do vinho, as duas cidades desenharam um programa que vai da literatura às artes plásticas, da inovação à agricultura e que também passa, claro, pela boa mesa e pelos bons momentos. São mais de 80 iniciativas previstas num roteiro que dá a portugueses e a turistas motivos redobrados para visitar uma região que beneficia da proximidade à capital do país preservando os encantos próprios da vida no campo.

O general que adorava os “brancos” de Torres

Mas voltemos à História. Não será injusto dizer que no que toca aos vinhos as invasões napoleónicas do século XIX constituíram uma campanha de comunicação inesperada.  Foi durante esta época que surgiram diversas referências ao vinho de Torres Vedras, muito apreciado pelas tropas invasoras e aliadas, em especial pelo general Arthur Wellesley, mais conhecido como Duque de Wellington. Pelo seu testemunho em muitas referências elogiosas, os brancos desta região ganharam reconhecimento internacional.

Em 1867, o agrónomo Ferreira Lapa, referia-se expressamente a que “nos livros estrangeiros de enologia é frequente, quando nomeiam os vinhos primorosos de Portugal, achar o de Torres logo depois do Porto, Madeira e Carcavellos”.

Já no século XX, conquistaram lugar numa das obras emblemáticas de um dos maiores escritores e pensadores portuguesesEça de Queiroz, que em 1901, no livro “A cidade e as serras” escreve: “Paguei [em Paris] por grossos preços garrafas do nosso adstringente e rústico vinho de Torres, enobrecido com o título de Château isto, Château aquilo, e pó postiço no gargalo”.

A cultura da vinha reforçou-se, ao que tudo indica, a partir do século XVIII e no início do século XX o vinho “Torres” foi reconhecido pelo decreto n.º 1 de 10 de maio de 1907.

Em Alenquer, o vinho é também um produto com pergaminhos atestados historicamente em vários documentos. “Por um decreto do século XIII, lavrado a 5 dos idos de Março do ano de 1209, 61 anos depois da tomada de Alenquer se conclui que as vinhas eram cultivadas em todo o seu distrito desde que a vila se uniu pela conquista ao todo nacional”.

O Foral da Portagem de Lisboa, de 1377, atesta a exportação de vinho de Alenquer para Lisboa, quando determina que os moradores do Ribatejo, Vila Franca, Alenquer e outros lugares fora de Lisboa, ao levarem tonéis da capital, declarando que os voltariam a trazer cheios de vinho, para os exportar ou vender em Lisboa, teriam de deixar penhores ou pagariam a décima parte.

Esta é, portanto, uma região em que a história se entrelaça com o vinho e a partir do vinho se liga a um conjunto alargado de atividades e tradições.

Torres Vedras e Alenquer são dois dos concelhos portugueses com maior tradição e produção vitivinícola de vinhos tintos, brancos e rosés, pioneiros na produção de vinhos leves, com destaque para a maior quinta produtora do país e uma das maiores do mundo, a Casa Santos Lima, e a adega cooperativa com maior produção nacional, com 42 milhões de litros de vinho (em 2016), a Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa.

O vinho – associado ao património natural e cultural da região – tornou-se o mote perfeito para o posicionamento como destino turístico privilegiado, concentrando numa mesma área geográfica praia, campo, boa mesa e bons roteiros culturais.

Não é assim de estranhar que 2015 e 2016 tenham sido os melhores anos turísticos de sempre, tendência que se manteve em 2017. O Oeste é o território da Região Centro com a maior capacidade de alojamento, registando mais de 4,5 milhões de dormidas/ano, um ritmo de crescimento anual dos proveitos de 15%, o que equivale a ganhos brutos de mais de 200 milhões de euros por ano.

Da codorniz ao torricado

O vinho e a gastronomia estão nos primeiros lugares do que os turistas procuram em Torres Vedras e Alenquer, fator de diferenciação face a outros destinos. Então, o que se come por aqui? Em Alenquer, sugerem-se pratos de tradição da lavoura, dada a relação com a terra. São especialidades gastronómicas da região a codorniz e o torricadoO que é o torricado, pergunta quem não sabe? Um dos jornais da região, o Fundamental, explica: “Os ingredientes dificilmente seriam mais simples: pão caseiro, azeite, alho e sal. O acompanhamento pode ir da singela azeitona (como entrada), ao ‘fiel amigo’ na brasa (bacalhau), passando pelas sempre populares febras e entremeadas grelhadas”.

Os restaurantes promovem várias semanas temáticas, com oferta dos pratos típicos, como sarrabulho, tiborna, torricado, escabeche de codorniz, ensopado de enguias, e os produtos regionais, azeites, ervas aromáticas, pão e vinho. Na montra da doçaria e pastelaria tradicional e conventual, podem-se degustar as bodinhas do Espírito Santo, broas de Triana, doce de vinho ou uvada, brindeirinhas de Nossa Senhora da Piedade e de Santa Quitéria.

Em Torres Vedras, cuja gastronomia também está intimamente ligada ao vinho, destacam-se a Cachola de Porco, o Arroz de Matança e o prestigiado Pastel de Feijão que, juntamente com o vinho de Torres Vedras, celebram o casamento perfeito.

E porque a História se conta melhor à mesa, há uma proposta gastronómica específica da época oitocentista, integrada na oferta do turismo cultural das Linhas de Torres Vedras, composta por Sopa de Sustançacom galo do campo e feijão branco, Mexilhão à General Wellington, Bacalhau do RegimentoCarne de Porca das Linhas e Galinha do Povo. Só na cidade de Torres Vedras existem mais de 40 restaurantes, onde é possível degustar estes menus sempre acompanhados de um vinho da região.

A oferta de roteiros turísticos faz-se tanto a nível regional, (com a rota dos Vinhos de Lisboa, por exemplo), como a nível concelhio. Alenquer oferece a Rota dos Moinhos, a Rota das Aldeias Vinhateiras, a Rota das Invasões Francesas, e os Percursos Literários. Torres Vedras oferece igualmente um conjunto de pequenas e grandes rotas, nomeadamente a Rota do Vinho e da Vinha, a Rota do Castro do Zambujal, a Rota das Quintas, a Grande Rota das Linhas de Torres Vedras e a Grande Rota da Rede Natura do Oeste.

Este ano, assumindo-se os dois concelhos como “Cidade Europeia do Vinho”, o programa de eventos tem aposta reforçada. De uma lista com mais de 80 propostas, fizemos a nossa seleção. Mas nada como ir pelos seus dedos e fazer também as suas escolhas – aqui encontra toda a informação de que precisa.

Bons passeios.

Torres Vedras e Alenquer: eventos a não perder em 2018

Evento: Festas do Império do Divino Espírito Santo | Alenquer

Data: 1 de abril a 20 de maio

O que é: Dando continuidade à tradição, decorrem em várias localidades do concelho de Alenquer as Festas do Império do Divino Espírito Santo 2018, instituídas em Alenquer em 1321, pela Rainha Santa Isabel e seu marido, o rei D. Dinis.
Este é um acontecimento aglutinador, capaz de congregar as mais diversas forças vivas do concelho, celebrando tudo aquilo que se faz em prol do bem comum e da dignificação da pessoa humana, nas artes ou na cultura, no desporto ou no lazer, sob o lema “O Espírito Santo sopra onde quer!”. O culto do Espírito Santo tem, como tradição muito forte, a oferta ao povo de pão, carne e vinho e este será o mote para a realização de um conjunto de atividades distintas no concelho articuladas com o vinho.

Informações: Através dos números 263 733 308 e 961 667 056 ou cultura@cm-alenquer.pt

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Evento: Quintas com Livros - Poemas do vinho e da mística | Casa da Ribeira (Torres Vedras)

Data: 19 de maio | sábado | 15h30 às 18h30

O que é: Sessão informal de leitura e comentário de quadras de estilo persa (Rubaiyat) do poeta medieval Omar Khayyam e do seu grande admirador Fernando Pessoa, que a este género literário dedicou-se durante quase dez anos, reproduzindo na língua portuguesa o imaginário antigo feito de vinho, tabernas, tapetes e rosas da Pérsia. O topos do vinho será lido nas diversas perspetivas hedonista, epicurista, mística e filosófica, oferecidas pelos dois autores, num fascinante percurso de cruzamentos literários e interculturais. Serão mostradas imagens de manuscritos e inéditos do espólio de Pessoa sobre este tema.

Mediador da Sessão: Fabrizio Boscaglia

Informações: Inscrições através do número 261 320 747 ou isabelraminhos@cm-tvedras.pt

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Evento: Memórias de Baco no céu de Torres Vedras | Serra do Socorro

Data: 23 de junho | sábado | 21h à 01h

O que é: À noite na serra, observação astronómica com prova de vinhos e palestra apresentada pelo Dr. Máximo Ferreira.

Nas noites de verão, período em que amadurecem as uvas que produzirão o saboroso vinho da região, no alto do céu paira a Coroa que o Baco, ébrio de vinho e orgulho por mais uma conquista amorosa, retira da cabeça e lança ao céu, de onde não voltará por interveniência de divindades dispostas a interromper tão imoral devaneio.

A Coroa Boreal marca uma região confinada entre as constelações de Hércules, do Boieiro e da Serpente e, embora não apresente estrelas de grande brilho, contém objetos celestes que, desde há muito, prendem a curiosidade e o interesse de astrónomos e astrofísicos.

Informações: Através do número de telefone 261 320 726 ou franciscaramos@cm-tvedras.pt

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Evento: Wine Cellars & Art Fest Portugal | Quinta Valle Riacho (Alenquer) e Adega Cooperativa de S. Mamede da Ventosa (Torres Vedras)

Data: 13 a 15 e 20 a 22 de julho

O que é: Um festival que junta artistas plásticos, músicos, pensadores, literatura, enologia, gastronomia, artes cénicas, e sobretudo abraçar o espaço-natureza onde as adegas e as quintas estão inseridas.

Informações: Programa brevemente disponível

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Evento: 10. 10. 10. Arte entre Cidades

Data: 29 de julho (inauguração) a 31 de dezembro

O que é: Ao procurar promover ações interdisciplinares nas obras a alcançar, numa leitura da paisagem entre as cidades de Torres Vedras e Alenquer, a proposta de curadoria deste projeto de arte pública procurará articular uma abordagem de reflexão sobre a caracterização da paisagem e herança vinícola. Desta forma, a aproximação a uma ideia curatorial de ‘onde’ localizar as intervenções contempla dois campos de ação: o primeiro remete para o encontro das obras no contexto arquitetónico de equipamentos relacionados com a atividade vinícola. O segundo pressupõe obras enquadradas num itinerário territorial entre as cidades de Torres Vedras e Alenquer ao longo da Estrada Nacional 9 (N9).

Informações: Mais informações brevemente disponíveis.

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Evento: Wine Sunset Party Santa Cruz | Miradouro junto ao monumento Kazuo Dan

Data: 17 de agosto | sexta-feira | 18h às 19h30

O que é: Um final de tarde diferente, um por do sol em boa companhia e ao som do Quarteto Daniela Melo, com bom vinho e boa música.

Informações: Através do número de telefone 261 320 749 ou cultura@cm-tvedras.pt

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Evento: “Linhas de Torres e Vinhos” - Jantares com História

Data: 20 de outubro | sábado | 20h às 00h

O que é: A 7ª edição do evento realizar-se-á em três lugares do património histórico e contemporâneo, e será dedicada à História da vinha e do vinho da região. Cada um dos jantares será uma entrega à plenitude de sabores, uma experiência de puro prazer, acompanhado de música e algumas surpresas.

Informações: Restaurante Moinho do Paul - 261 323 696 ou jantarescomhistoria@gmail.com

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Evento: Vinhos, Fados e Letras | Paços do Concelho de Alenquer

Data: 23 de novembro | sexta-feira | 21h

O que é: Propõem-se as Bibliotecas Municipais de Alenquer e Torres Vedras realizar um encontro que propicie e evoque o enredo entre a música e a literatura, nas suas variadas temáticas, sendo o vinho, no presente ano, o mote para os momentos de letras. Para além de músicos e fadistas, conta-se com a presença de atores, diseurs e, claro, produtores de vinho, que apresentarão as suas quintas e produções vinícolas e convidarão os presentes a degustarem os seus néctares de excelência.

Informações: Inscrições no balcão de atendimento da Biblioteca Municipal de Alenquer, através do telefone 263 733 304 ou pelo email: biblioteca@cm-alenquer.pt

Preço: 5 €

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Evento: Vinhos de Lisboa na Rua Augusta

Data: 4 a 9 de dezembro

O que é: Entre os dias 4 e 9 de dezembro, os Vinhos de Lisboa regressam à Rua Augusta numa ação de promoção do território vitivinícola de Lisboa. O evento, organizado pela Comissão Vitivinícola de Lisboa e pela Comunidade Intermunicipal do Oeste, conta com o alto patrocínio da Câmara Municipal de Lisboa e pretende ser uma mostra deste território que beneficia da proximidade à capital.

Durante os dias do evento, os municípios participantes terão oportunidade de promover os vinhos, a cultura, os produtos endógenos e identitários de cada um dos territórios e que, no conjunto, fazem desta região, um destino turístico de referência.