"Aos olhos da Constituição Federal brasileira Lula ainda é inocente, porque não houve o trânsito em julgado e, portanto, havendo decisão condenatória de segunda instância que não transitou em julgado, a sua prisão apenas deve ser mantida se estiverem presentes os requisitos da prisão preventiva, o que não me parece ser o caso", afirmou o advogado brasileiro Luciano Santoro.
O também professor universitário e especialista em Direito Penal acrescentou: “Acredito que brevemente deverá ser colocado em liberdade, porque a libertação não é imediata e depende de determinação judicial”.
Em causa está a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que anulou na quinta-feira a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, alterando um entendimento adotado desde 2016, numa decisão que poderá levar à libertação de Lula da Silva.
Com a decisão, réus condenados só poderão ser presos após o trânsito em julgado, ou seja, depois de esgotados todos os recursos, com exceção para casos de prisão preventiva decretada.
Com mudança determinada pelo STF na quinta-feira, 38 condenados no âmbito da Lava Jato, a maior operação contra a corrupção no Brasil, serão beneficiados, segundo o Ministério Público Federal.
Entre eles está o antigo chefe de Estado brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva, preso desde abril do ano passado, após ser condenado em segunda instância no caso que envolve um apartamento de luxo na cidade do Guarujá, no litoral do estado de São Paulo.
Luciano Santoro considera que a decisão do Supremo foi "importante para reafirmar que a Constituição Federal tem de ser respeitada, independentemente de um apelo popular muitas vezes influenciado por discursos falaciosos momentâneos".
"Vencem as garantias fundamentais, como da presunção de inocência e da ampla defesa. Por outro lado, a partir de agora, os Tribunais Superiores, principalmente, devem-se preocupar em dar maior celeridade ao trâmite dos processos, permitindo uma rápida prestação jurisdicional, o que acaba com o argumento de que os processos podem prescrever", comentou Santoro.
No entanto, o professor universitário espera que a decisão de quinta-feira traga segurança jurídica ao sistema brasileiro, classificando de "inadmissível" o facto de, na última década, o STF já ter efetuado três alterações nesta questão.
De 2009 até 2016 prevaleceu o entendimento de que a prisão só poderia ser executada após o trânsito em julgado, e de 2016 a 2019, de que seria permitida a execução após decisão de segunda instância.
Agora, em 2019, o Supremo Tribunal Federal decidiu novamente que se deve aguardar o trânsito em julgado, situação que gera "insegurança jurídica", na visão de Luciano Santoro.
No total, a nova decisão do STF abre caminho para libertar cerca de 5.000 réus, segundo o Conselho Nacional de Justiça brasileiro.
Porém, a aplicação da decisão não é automática, cabendo a cada juiz de execução analisar a situação processual de cada caso.
"Em relação aos efeitos práticos, há que se ponderar que as prisões provisórias não foram alteradas, isto é, nada impede que o juiz decrete a prisão preventiva daquele indiciado ou réu, desde que presentes os requisitos legais", sublinhou o doutorado em Direito.
Os requisitos previstos na lei que podem levar a que seja decretada a prisão preventiva são, obrigatoriamente, a prova ou indícios da materialidade e da autoria, juntamente com a existência de risco para a ordem pública [de que em liberdade pode continuar a praticar crimes], risco para a ordem económica, risco de fuga, ou que coloque em causa a recolha de provas.
"A decisão do STF impede apenas que aqueles que não preenchem os requisitos da prisão preventiva sejam presos antes de se esgotarem todas as possibilidades de provarem a sua inocência, como lhes garante a Constituição Federal, afinal a regra é responder ao processo em liberdade e somente ser preso após a decisão transitada em julgado, que só ocorre quando não couber mais recurso", concluiu o especialista em Direito Penal.
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