Marcelo Rebelo de Sousa foi eleito Presidente da República há nove anos, mas não só de afetos está marcado o seu percurso em Belém. No meio de uma crise política que poderá levar à terceira dissolução do parlamento nacional desde que foi eleito, iguala o recorde de Ramalho Eanes no uso da "bomba atómica".

O presidente venceu as presidenciais de 24 de janeiro de 2016 com 52% dos votos expressos. Foi reeleito em 24 de janeiro de 2021 com 60,67%.

A pouco mais de um ano de deixar o Palácio de Belém, e a seis meses de perder o poder constitucional de dissolução da Assembleia da República, Marcelo deparou-se com uma crise política desencadeada por sucessivas notícias sobre uma empresa familiar do primeiro-ministro, Luís Montenegro, que deverá culminar com o chumbo de uma moção de confiança e consequente demissão do Governo.

Apesar de não ter até agora falado expressamente em eleições, o Presidente da República prometeu agir o mais depressa possível, chamando os partidos a Belém e reunindo o Conselho de Estado, para chegar a um "calendário eleitoral" que aponta para meados de maio.

Com a terceira dissolução da Assembleia da República, Marcelo Rebelo de Sousa iguala o recorde de Ramalho Eanes no uso da chamada "bomba atómica". Desde a revolução de 25 de Abril de 1974, o parlamento nacional vai a caminho da 10.ª dissolução, três de Ramalho Eanes, duas de Marcelo, duas de Jorge Sampaio, uma de Cavaco Silva e outra de Mário Soares.

Marcelo Rebelo de Sousa decretou a primeira dissolução do parlamento em dezembro de 2021, face ao chumbo do Orçamento do Estado, e a segunda em janeiro de 2024, após a demissão de António Costa do cargo de primeiro-ministro, por causa da Operação Influencer, quando chefiava um Governo do PS com maioria absoluta no parlamento.

Nos nove anos em Belém, oito foram de coabitação com António Costa à frente do PS e do executivo, o que o levou a desabafar, já no consulado de Montenegro: "Éramos felizes e não sabíamos". O anterior primeiro-ministro tornou-se entretanto presidente do Conselho Europeu.

Ultimamente, o Presidente da República tem-se mostrado apreensivo com a conjuntura global, designadamente com a postura da nova administração norte-americana de Donald Trump e a sua aproximação à Rússia e distanciamento da Ucrânia, não poupando críticas públicas ao inquilino da Casa Branca.

Após um primeiro mandato em que se revelou um dos presidentes mais populares, o "Presidente dos afetos", que criou uma empatia grande com os portugueses, tem visto diminuir as apreciações positivas à medida que se aproxima o fim da sua estada em Belém.

Para isso terá contribuído o caso de duas gémeas luso-brasileiras com atrofia muscular espinhal tratadas no Hospital de Santa Maria com um dos medicamentos mais caros do mercado, que continuou na agenda política em 2024 e 2025, através de uma comissão parlamentar de inquérito da iniciativa do partido Chega e que em breve apresentará as conclusões.

155 deslocações ao estrangeiro e mais de 1.600 condecorações

O Presidente da República atribuiu até agora nos seus dois mandatos mais de 1.600 condecorações e fez 155 deslocações a países estrangeiros, das quais 20 foram visitas de Estado. As últimas visitas foram à República Checa e ao Brasil.

Esta contagem inclui todas as deslocações, divididas por país: visitas oficiais, posses e cerimónias fúnebres, cimeiras e reuniões internacionais, eventos desportivos e culturais, comemorações do Dia de Portugal e visitas a forças nacionais destacadas.

Antes, Marcelo deslocou-se a Washington D.C. para o funeral de Estado do antigo Presidente norte-americano Jimmy Carter, em 9 de janeiro.

Os países que mais visitou foram Espanha, onde foi 19 vezes, França, onde esteve 16 vezes, e Estados Unidos da América, com 11 deslocações, sete das quais à sede das Nações Unidas, em Nova Iorque.

Fez visitas de Estado a Moçambique, Suíça e Cuba, em 2016, Cabo Verde, Senegal, Croácia, Luxemburgo e México, em 2017, São Tomé e Príncipe, Grécia, Egito e Espanha, em 2018, Angola, China, Costa do Marfim e Itália, em 2019, Índia, em 2020 – ano em que a pandemia de covid-19 o obrigou a adiar praticamente toda a agenda internacional –, à Irlanda, em 2022, à Bélgica, em 2023, e aos Países Baixos, em 2024.

Marcelo Rebelo de Sousa visitou forças militares destacadas na Lituânia e Espanha, em 2017, na República Centro-Africana, em 2018, no Afeganistão, em 2019, e na Roménia, em 2022, e na Eslováquia, em 2024. No ano em curso deslocou-se à República Checa e ao Brasil, tendo cancelado uma visita à Estónia que deveria começar na quarta-feira por causa da crise política.

Foi a uma dezena de jogos da seleção masculina de futebol, um da seleção de râguebi e à abertura dos Jogos Olímpicos de 2016, no Brasil, e de 2024, em França.

Esteve em mais de vinte encontros multilaterais: reuniões da Assembleia Geral das Nações Unidas, cimeiras ibero-americanas e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), encontros informais do Grupo de Arraiolos e da organização empresarial Cotec Europa.

Comemorou o Dia de Portugal junto de comunidades emigrantes em Paris, em 2016, no Rio de Janeiro e São Paulo, em 2017, na Costa Leste norte-americana, em 2018, em Praia e no Mindelo, em Cabo Verde, em 2019, em Londres, em 2022, e na África do Sul, em 2023, num modelo original que lançou com o primeiro-ministro, António Costa, e que prosseguiu com o atual chefe do Governo PSD/CDS-PP, Luís Montenegro, na Suíça, em 2024.

A partir do seu segundo mandato, houve visitas aprovadas pelos deputados sem a habitual unanimidade, com abstenções e até votos contra, e contestadas em termos gerais pelo partido Chega, pela quantidade.

A mais controversa foi a ida ao Mundial de Futebol do Qatar, em 2022, que teve votos contra de IL, BE, PAN, Livre e de quatro deputados do PS e abstenções de Chega, três deputados do PS e três do PSD.

No que respeita a condecorações, segundo o portal das ordens honoríficas na Internet, já atribuiu mais de 1.600 a cidadãos e entidades nacionais, cerca de 750 no primeiro mandato e mais de 870 no segundo, até dezembro.

Para comparação, o seu antecessor, Aníbal Cavaco Silva atribuiu aproximadamente 1.500, nos dois mandatos, o Presidente Jorge Sampaio cerca de 2.400, Mário Soares perto de 2.500 e António Ramalho Eanes cerca de 1.900.

Já os estrangeiros condecorados pelo atual Presidente da República foram mais de 320. Num caso e noutro, Marcelo Rebelo de Sousa optou por realizar várias cerimónias sem publicitação.

O mais alto grau das ordens honoríficas – o grande-colar – foi para os antigos chefes de Estado Cavaco Silva, António Ramalho Eanes, Jorge Sampaio e Mário Soares, para o ex-vice-presidente do Banco Central Europeu (BCE) Vítor Constâncio, para os escritores José Saramago e Sophia de Mello Breyner e a pintora Paula Rego.

Por ocasião do cinquentenário da Revolução dos Cravos, o chefe de Estado e comandante supremo das Forças Armadas anunciou em 2021 que iria condecorar todos os militares que participaram no 25 de Abril, o que foi fazendo, em diferentes sessões.

Foram, no total, mais de duas centenas de condecorações neste contexto, algumas das quais causaram polémica, como a do antigo chefe de Estado António de Spínola, a título póstumo.

43 vetos políticos e oito recursos ao Tribunal Constitucional

Desde que tomou posse, a 9 de março de 2016, já recorreu 43 vezes ao veto político: três em 2016, duas em 2017, seis em 2018, cinco em 2019, seis em 2020, três em 2021, 11 em 2023, seis em 2024 e uma em 2025.

A grande maioria destes vetos incidiu sobre legislação da Assembleia da República, com um total de 34 decretos devolvidos ao parlamento, o último dos quais aquele que pretendia desagregar 135 uniões de freguesias, repondo 302 destas autarquias locais, e que acabou reconfirmado pelo parlamento na quinta-feira.

Quanto a atos legislativos do Governo, nos oito anos e dez meses que leva na chefia do Estado, Marcelo Rebelo de Sousa vetou oito diplomas dos anteriores executivos do PS e um do atual executivo PSD/CDS-PP.

Além do decreto das freguesias, os outros dois vetos políticos na atual legislatura foram anunciados ambos em 28 de agosto do ano passado.

Depois de assumir funções, Marcelo Rebelo de Sousa levou quase três anos e meio até enviar um diploma para o Tribunal Constitucional.

No decurso dos seus dois mandatos, soma oito pedidos de fiscalização preventiva, dos quais cinco resultaram em inconstitucionalidades declaradas pelo Tribunal Constitucional e consequentes vetos.

O primeiro foi submetido em 26 de agosto de 2019, para fiscalização preventiva de alterações feitas no parlamento à lei sobre procriação medicamente assistida (PMA) e gestação de substituição – tendo em conta que normas deste regime tinham sido declaradas inconstitucionais em resposta a um recurso de deputados do PSD e CDS-PP.

O Tribunal Constitucional voltou a declarar inconstitucionais normas do decreto em causa e o chefe de Estado, consequentemente, vetou-o, em 19 de setembro de 2019.

Marcelo Rebelo de Sousa fez dois pedidos de fiscalização preventiva sobre a morte medicamente assistida, em 18 de fevereiro de 2021, e 04 de janeiro de 2023, que levaram a vetos por inconstitucionalidades e a novos decretos do parlamento.

Em 29 de abril de 2023, perante um novo decreto, optou pelo veto político, sem o submeter ao Tribunal Constitucional. O parlamento confirmou o diploma, impondo a sua promulgação.

O chefe de Estado suscitou também a fiscalização preventiva a legislação sobre cibercrime e conservação de metadados de comunicações eletrónicas, processos que levaram a vetos por inconstitucionalidades, entre outros diplomas.

Em março de 2021, a propósito de uma polémica sobre a chamada lei-travão, Marcelo Rebelo de Sousa expôs os seus critérios de decisão em matéria de promulgação e veto, numa mensagem escrita, explicando que utiliza o que apelidou de "veto corretivo", um convite à retificação dos diplomas.

Segundo o chefe de Estado, perante dúvidas de constitucionalidade, tem procurado "uma interpretação dos diplomas que seja conforme à Constituição", optando, quando isso é possível, pela promulgação.

"Quando é impossível essa interpretação e a iniciativa parlamentar merece acolhimento substancial, tem recorrido a uso de veto corretivo, convidando a Assembleia da República a aproveitar a sua iniciativa, tornando-a conforme à Constituição", explicou.

*Com Lusa