É p'ra amanhã
Bem podias fazer hoje
Porque amanhã sei que voltas a adiar
E tu bem sabes como o tempo foge
Mas nada fazes para o agarrar
Começo esta crónica de hoje na esperança de que não tenha deixado “p'ra amanhã” o cantarolar a que o quis obrigar ao escrever estes versos que vai certamente reconhecer. E começamos por aqui por um motivo: António Variações faria hoje 75 anos, por isso nada melhor para celebrar a data do que ouvi-lo mais um bocadinho.
E, já que falamos de tempo, aproveito para deixar aquela que será, talvez, a frase desta terça-feira: "todos têm de fazer tudo o que puderem para garantir que ficam no lado certo da história”. Quem a disse foi Greta Thunberg, à chegada a Lisboa antes de partir para Madrid, para participar na cimeira das Nações Unidas sobre o clima (COP25). Mais uma vez, a mensagem foi clara: é preciso fazer mais. E até podemos continuar a cantar Variações.
Foi mais um dia e tu nada fizeste
Um dia a mais tu pensas que não faz mal
Vem outro dia e tudo se repete
E vais deixando ficar tudo igual
Lembremo-nos destas palavras ou de outras que passem a mesma mensagem. Quer seja agora Greta a dizê-lo, quer seja qualquer outra pessoa. A verdade é que o planeta precisa de todos.
Mas podemos também olhar para ajudas necessárias em casos mais concretos (o planeta inteiro parece-nos sempre muito grande e longe, assim de uma só vez, não é?). Os navios Alan Kurdi e Ocean Viking, com 121 migrantes a bordo, aguardam há cinco dias que Malta ou Itália autorizem o desembarque destas pessoas resgatadas do mar. Ali estão, parados. Uns são adultos, outros menores não acompanhados — entre eles um bebé de 3 meses com o seu irmão de 3 anos. Estiveram à deriva num barco de madeira, à espera de melhor sorte. E, para eles, não há dúvidas disto:
É p'ra amanhã
Bem podias viver hoje
Porque amanhã quem sabe se vais cá estar
Ai tu bem sabes como a vida foge
Mesmo que penses que está p'ra durar
(Obrigada, Variações, por me ajudares também a acompanhar a atualidade de hoje!)
Faço agora uma pausa nas cantorias — que também têm mensagens para levar a sério — para retomar o que prometi ontem, sobre as notícias que revivem o presépio.
Lembro-me, cada vez que corre tinta sobre migrantes e refugiados, das palavras do Papa Francisco no Natal de 2017: Maria e José também foram refugiados. Também eles “tiveram de enfrentar o mais difícil: chegar a Belém e integrar-se numa terra que não os esperava e onde não tinham lugar”. Do mesmo modo, hoje em dia, famílias inteiras “são forçadas a abandonar as suas terras. São “milhões de pessoas que não escolhem sair, mas que são obrigadas a fazê-lo, deixando para trás os seus entes queridos”. Cá fica mais uma peça para recordar na Consoada.
Não me alongando mais e aproveitando estes dois temas — a questão ambiental e o drama dos migrantes —, deixo duas sugestões para que possa continuar a pensar sobre isso:
- O mar, que é tão nosso enquanto portugueses, é também do mundo e há que preservá-lo. Olhemos então para a imensidão azul de outra forma, através da exposição O Mar Vivo: Ensaio Fotográfico de Hussain Aga Khan, no Museu Nacional de História Natural e da Ciência, em Lisboa. Amanhã, 4 de dezembro, há visita guiada (sujeita a marcações) pelos comissários da exposição.
- Ler notícias sobre o que se passa com aqueles que têm de largar tudo talvez não chegue. É preciso ver. E, se não podemos estar no local, podemos receber as imagens que chegam até nós — mesmo que em histórias. O Festival Internacional de Cinema Sobre a Migração é o pretexto para tal e amanhã está em exibição, na Casa do Impacto, em Lisboa, o filme holandês Stranger in Paradise, que "explora o tema sensível do sentimento europeu em relação ao fluxo migratório para a Europa".
Depois disto, eu sou a Alexandra Antunes e, como jornalista que quer sempre saber mais, deixo uma pergunta: hoje o dia terá sido assim?
Foi mais um dia e tu nada viveste
Deixas passar os dias sempre iguais
Quando pensares no tempo que perdeste
Então tu queres mas é tarde demais
Comentários