Ermo, despovoado, solitário.
Pouco frequentado.
Lugar estéril e desabitado.
Lugar pouco frequentado.
Todas as linhas anteriores contém definições de deserto, tiradas do dicionário. Nas nossas mentes, o deserto é um espaço longínquo. Árido e amarelo torrado. Alaranjado com tempestades de areia. Sem água. Com pouca ou nenhuma vida.
Hoje, na Arábia Saudita, o deserto foi diferente. Em pleno Rali Dakar, ao quilómetro 276 da especial, Paulo Gonçalves caiu da mota que o fazia correr a vida pelo terreno árido. Em todos os quilómetros anteriores, os trilhos, por mais solitários que fossem, eram feitos na certeza de haver muitos a lutar por um lugar no pódio. E assim nunca se está sozinho num local ermo, por mais que possa parecer.
Ao longo da semana, o Dakar tinha sido já atribulado para o piloto de Esposende: ficou parado ao quilómetro 30 dos 477 que compunham a especial com o motor da sua mota partido. A organização chegou mesmo a dizer que "decidiu desistir". Três horas mais tarde, a informação foi corrigida indicando que Gonçalves continuava parado a tentar reparar a avaria enquanto esperava pela chegada do camião de assistência da sua equipa.
"Todos o vimos a mudar um pneu sozinho a meio do deserto, sem baixar os braços", disse hoje Armindo Araújo, piloto português de ralis, quando precisou de o recordar. "O motociclismo fica mais pobre", acrescentou". E, além dele, muitos outros o fizeram. As reações têm sido muitas.
"Paulo Gonçalves morreu a tentar alcançar o sonho de vencer uma das mais duras e perigosas provas de rally do mundo" (Marcelo Rebelo de Sousa)
"Será lembrado como um exemplo de ética, altruísmo e sã competição" (António Costa)
"Era um piloto que adorava e que conhecia desde pequenino. Era um exemplo como piloto e como pessoa" (Jorge Viegas)
"Ninguém merece uma coisa destas, mas ele ainda menos. Era daqueles que nunca desistia" (Paulo Marques)
"Fica-nos a saudade, mais a memória do excelente piloto que ele foi e dos resultados brilhantes que teve" (Miguel Marinheiro)
"Um guerreiro, uma pessoa incrível! Descansa em paz amigo" (Tiago Monteiro)
Para Paulo Gonçalves, que viu o Dakar 13 vezes, o deserto foi certamente tudo menos as definições com que comecei este texto. Por tudo o que disseram dele, não pode ter sido.
Eu sou a Alexandra Antunes, o dia hoje não foi só isto mas há nomes que saem dos desertos onde começa e acaba a vida que não podemos ignorar.
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