A pequena faixa foi colocada numa embarcação ao início da manhã, junto à costa em frente ao Palácio do Governo, onde os primeiros-ministros de Timor-Leste, Taur Matan Ruak e da Austrália, Scott Morrison, formalizam hoje a entrada em vigor do tratado de fronteiras marítimas.
O protesto simbólico foi organizado por elementos do Movimento Contra Ocupação Mar de Timor (MKOTT), o grupo mais vocal na crítica à decisão australiana de julgar por conspiração um ex-espião e um ex-advogado de Timor-Leste, Bernard Collaery.
A faixa vermelha exige o fim da acusação contra os dois homens, que tem decorrido em tribunais australianos praticamente em segredo.
O protesto foi o possível de vários que estavam planeados para a capital timorense — tanto relativamente ao caso da espionagem australiana como de apoio ao movimento de independência da Papua Ocidental, na Indonésia.
As ações acabaram por ser canceladas depois do comandante operacional nacional da Polícia Nacional de Timor-Leste (PNTL), Pedro Belo, anunciar que nenhum grupo teria autorização para se manifestar durante o dia de hoje, em que se celebram os 20 anos do referendo em que os timorenses escolheram a independência.
Belo explicou aos jornalistas que se tratava de uma decisão para garantir a segurança das delegações convidadas para o aniversário do referendo.
Recorde-se que a luta pela independência timorense ficou marcada por protestos em todo o mundo, muitos não autorizados, organizados por cidadãos timorenses e estrangeiros.
Na semana passada, quase 50 estudantes universitários timorenses foram retidos depois de se manifestarem no centro de Díli numa ação de solidariedade com a população de Papua Ocidental, região que tem sido palco de confrontos entre habitantes locais e as autoridades indonésias.
Fonte policial explicou à Lusa que os jovens foram retidos porque a manifestação, que decorreu em vários pontos de Díli, não estava autorizada pelas autoridades.
O caso da “testemunha k” e Collaery tem-se tornado a ‘pedra no sapato’ da relação entre Timor-Leste e a Austrália, tendo o ex-Presidente timorense Xanana Gusmão afirmado que pode testemunhar num tribunal em Camberra se as autoridades australianas não abandonarem o processo.
O homem conhecido apenas como “testemunha K” e o seu antigo advogado Bernard Collaery são acusados de conspiração pelas autoridades em Camberra, crime que tem uma pena máxima de dois anos de prisão, e estão a ser julgados num tribunal australiano.
Os dois foram acusados no ano passado de conspirar para revelar informações protegidas pela lei dos serviços secretos, que abrange o sigilo e a comunicação não autorizada de informação, num processo envolto em segredo.
Há dois meses, em Lisboa, Xanana Gusmão afirmou que Timor-Leste se sentiu traído por “um país amigo”, a Austrália, aquando do uso dos serviços secretos do combate ao terrorismo em função de grandes interesses económicos.
“Sentimo-nos traídos por um país, supostamente amigo, e com o qual contávamos reconstruir [Timor-Leste]”, disse Xanana Gusmão, em Lisboa, na apresentação do livro “Passar dos Limites – A História Secreta da Austrália no Mar de Timor”, da escritora australiana Kim McGrath e que aborda a ação daquele país insular em território timorense nos últimos 50 anos.
A existência do esquema de escutas montado em 2004 pelos serviços secretos australianos em escritórios do Governo timorense, em Díli, durante as negociações para um novo tratado para o mar de Timor, foi denunciada pela “Testemunha K” (a sua identidade nunca foi revelada publicamente).
“É nesta revolta íntima, que arde cá dentro, que, humildemente, faço aqui um apelo público à razão para que o Governo da Austrália reconsidere e pare com a injustiça que está a ser praticada contra Bernard Colleary e contra a testemunha K”, declarou, na cerimónia que decorreu durante o quinto encontro ministerial do g7+.
“Não era a segurança do Estado que estava em causa, mas o facto de se ter utilizado a inteligência militar para espiar assuntos de negócio entre a riquíssima Austrália e o paupérrimo Timor-Leste”, considerou o antigo chefe de Estado, acrescentando: “Não era uma questão de segurança. Nós tínhamos acabado a guerra. Se tínhamos algumas armas, que já não funcionavam, não tínhamos armas. Aquilo não era uma questão de segurança da Austrália, nós não íamos invadir a Austrália”.
Alexander Downer, o ministro dos Negócios Estrangeiros australiano na altura em que a espionagem ocorreu, acabou depois a sair do executivo por ser contratado pela petrolífera australiana Woodside, uma das que tem mais interesses no Mar de Timor.
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