Não é que desvalorize o atual momento do jornalismo, mas é preciso relativizar, considera Martín Caparrós, recentemente galardoado com o Prémio María Moors Cabot, atribuído a jornalistas de “grande coragem, convicções e mestria” pela Universidade de Columbia, e que esteve esta semana em Lisboa, no âmbito do XXIII Fórum Euro-Latino-Americano de Comunicação, organizado pela Associação de Jornalistas Europeus e pela Fundação Gabriel García Márquez.
Segundo o jornalista, “o que claramente deixou de funcionar bem é o modelo de jornalismo hegemónico durante todo o século XX”, focado no papel, que, “por razões técnicas, económicas e culturais”, tem perdido terreno.
“Os jornais, sim, estão em crise. Mas como esses grandes diários ainda têm uma influência forte no relato da realidade, fazem-nos crer que a sua crise é a crise do jornalismo. É apenas a crise de uma forma de fazer jornalismo, que foi muito interessante, mas agora está desfasada. Há outras formas de fazer jornalismo, que estão a aparecer, às vezes mais democráticas, outras não”, reflete.
“Cada formato tem vantagens e desvantagens”, diz o jornalista que começou a exercer o ofício aos 16 anos e que, completados 60, mantém o otimismo. “Agora estamos muito preocupados. Como já não há instituições que garantam a verdade jornalística ou, pelo menos, elas já não são tão fortes, estamos supostamente preocupados com esta coisa de que se mente muito mais na imprensa”, diz.
“Isto da pós-verdade, de que se fala tanto, é uma forma de nos convencer de que antes não se fazia o que agora se faz. Tenho 44 anos de jornalismo e não tenho de todo a sensação de que hoje se invente mais do que antes”, recusa.
É certo que a mentira é hoje viral, mas “também há mais possibilidades de a desmentir”, vinca. “Se contasses uma mentira há 20 anos, num jornal de Barcelona, havia um universo limitado de gente que te podia desmentir. Já não podes fazer mais isso. Se mentes, se copias, se plagias, é muito provável que haja alguém, do outro lado do mundo, ou perto de tua casa, que se aperceba disso”.
Autor de uma reportagem que dá rosto à fome (“A Fome”, editado em Portugal pela Temas e Debates), que demorou cinco anos a escrever, Caparrós quer dedicar-se mais à ficção. “Não há nada mais maleável do que a História, nada que se possa adaptar mais a relatos muito distintos e todos de alguma maneira válidos”, assinala. “O mesmo se passa no jornalismo, mas este, por falta de habilidade ou paciência, acaba por inventar”, ironiza.
Mas isso não o faz temer o futuro do jornalismo. “Há muita gente com ganas de ir à procura de histórias e de as contar. Hoje é possível tentar fazer jornalismo de formas novas, mais abertas e mais livres”, realça, recordando que, quando começou no jornalismo, “era difícil, porque era preciso dinheiro para pagar o papel”. Agora “há mais espaço, tudo isso é muito fácil, difícil é conseguir material suficientemente bom que sobressaia no meio da selva”.
É a partir de Espanha, onde vive, que Caparrós segue a América Latina, guiada por uma “espécie de contragolpe liberal”.
Crítico dos “governos populistas” recentes, que “desperdiçaram uma grande oportunidade de fazer mudanças reais e se limitaram a alterações cosméticas, sobretudo na Argentina e no Brasil”, analisa.
“Remendaram o funcionamento da desigualdade, mas mantiveram a desigualdade, em vez de se basearem numa real redistribuição da riqueza e de criarem fontes de trabalho que permitissem às pessoas sustentarem-se a si mesmas. Fizeram-nas dependentes do Estado, diminuindo a gravidade da sua situação, mas sem as autonomizar verdadeiramente.”
No que à liberdade de imprensa diz respeito, nada se equipara ao México. “É um caso terrível e totalmente distinto dos outros, com mais de cem jornalistas mortos nos últimos dez anos. Há um setor, com poder de fogo, os narcotraficantes, que precisa de calar os jornalistas e, para isso, tem contado com a cumplicidade geral da polícia, do exército, do Estado no seu conjunto”, acusa.
“O que é admirável é que muitos deles [dos jornalistas mexicanos] continuem a trabalhar. Quando vejo o que eles fazem, parece-me que temos pouco direito a queixarmo-nos. Devemos queixar-nos, mas temos de saber relativizar”, compara, consciente de que as condições de trabalho dos jornalistas em todo o mundo pioraram.
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