“Words like violence
Break the silence
Come crashing in
Into my little world”

As palavras parecem violência e quebram o silêncio que seria expectável por um passageiro no seu pequeno mundo depois de um dia de trabalho ou antes de fazer uma viagem por várias horas. No entanto, está mais difícil “aproveitar o silêncio”, como cantam os Depeche Mode desde 1990: é impossível não ouvir vídeos das redes sociais e chamadas em alta voz nos transportes coletivos e parece que só com a imposição de regras se pode tamanho volume. Se num autocarro torna-se difícil contrariar a solução – os passageiros vão todos na mesma zona – a situação pode ser facilmente contrariável numa viagem de comboio, sobretudo quando os lugares são previamente reservados.

As zonas silêncio já foram introduzidas nos comboios de 15 dos 25 países da União Europeia com serviço ferroviário (Chipre e Malta não têm comboios). Em outros, já existem recomendações para falar mais baixo, de forma a não incomodar os restantes passageiros, que só querem estar no seu “pequeno mundo”. Em Portugal, a CP ainda se encontra a analisar a situação, apesar de reconhecer que há queixas dos viajantes, formais ou junto dos revisores.

“A CP procura, de forma contínua, a introdução de melhorias nos seus serviços que possam ir ao encontro das expetativas dos seus passageiros. A implementação de carruagens silêncio em alguns serviços já se encontra em análise”, responde ao SAPO24 fonte oficial da transportadora.

Não é a primeira vez que a CP é confrontada com a situação: em abril de 2016, a empresa foi questionada pelo jornal Público sobre o assunto mas, na altura, afastou a introdução de carruagens silêncio, pois estava em risco a possibilidade de se trabalhar enquanto se viaja de comboio. Na longa distância, a empresa pública conta atualmente na sua frota com 117 carruagens afetas ao serviço Intercidades (incluído no Passe Ferroviário Verde) e tem mais nove unidades do Alfa Pendular, com seis carruagens cada. Há ainda 23 carruagens ex-Arco recuperadas nas oficinas de Guifões, afectas, para já, apenas aos inter-regionais da Linha do Minho.

Mesmo com as reclamações recebidas por causa do uso do telemóvel, são raros os comboios da CP em que há um claro aviso aos passageiros. Apenas nos ecrãs do Alfa Pendular é “emitida uma mensagem que recomenda a redução do volume do telemóvel”. Mais uma vez, a empresa está a “avaliar” a situação e admite estender os avisos a outros serviços ferroviários. No Metro do Porto, por exemplo, um dedo à frente da boca ajuda a perceber que não é para fazer muito barulho a bordo.

Conforto e saúde explicam regras

Proporcionar uma viagem mais confortável e descontraída aos passageiros tem sido a razão para a introdução de carruagens ou de zonas sem barulho nos comboios. Mas vale a pena observar o exemplo da Irlanda, que há vários anos colocou uma carruagem silêncio na ligação entre Dublin e Cork, por sugestão do grupo de passageiros com deficiência. Um local sem barulho proporciona uma viagem mais confortável para pessoas autistas, com lesões cerebrais, Alzheimer e demência, sinaliza a Irish Rail, operadora ferroviária do Estado irlandês. São cerca de 300 mil pessoas que podem beneficiar com esta opção, sem custos adicionais.

Ana Ribau é uma potencial beneficiária das zonas sem barulho dentro dos comboios. Nascida em 1991, a consultora financeira de Aveiro costuma viajar nos comboios Intercidades: “quando [o comboio] está muito cheio, é o caos e as pessoas parece que não sabem o que são auriculares. Põem muito alto tudo o que estão a ver e ficamos a ouvir toda a vida sem ter a ver com isso”, reconhece. Autista, Ana reconhece que, “por medo de alguma retaliação”, evita chamar a atenção junto dos passageiros mais barulhentos. Nos momentos mais difíceis, “tento adaptar-me ao barulho e escrevo para o meu namorado que isto está impossível”, detalha a passageira enquanto mostra uns auriculares com cancelamento de ruído, fundamentais para lidar com o ruído excessivo.

Noutros países da UE, viajar numa carruagem sem barulho só é possível se for na primeira classe: é o caso dos comboios de alta velocidade, como em França e Itália, ou então no serviço intercidades dos comboios da Lituânia. Na Finlândia, há a particularidade de se pagar mais caro para viajar sem barulho nos comboios Intercidades e pendulares, mas o bilhete dá acesso ilimitado a água, café e chocolate quente. Há ainda casos em que não é necessário fixar zonas sem barulho: na Eslovénia, a SZ refere que há uma “regra não escrita” que diz que os passageiros não devem perturbar os restantes viajantes, sobretudo com o telemóvel.

Voltando a Portugal, desde o decreto-lei 58 de 2008 que há coimas entre os 50 e os 250 euros para os passageiros em comboios que “utilizam aparelhos sonoros” ou façam barulho “de forma a incomodar” os outros passageiros. A Autoridade da Mobilidade e dos Transportes (AMT), que tem competências para aplicar coimas no setor ferroviário, admitiu nas últimas semanas que já houve viajantes multados por causa do uso dos telemóveis, segundo o jornal Público. No entanto, perante as perguntas do SAPO24, a AMT não deu mais detalhes sobre a quantidade de multas aplicadas, onde foram aplicadas e qual a justificação.

Ana Ribau reconhece que as carruagens silêncio “são uma boa iniciativa” porque as pessoas autistas “devem sentir-se esgotadas por andar de transportes públicos” no meio de tanto barulho. Proporcionar mais conforto depende também de “haver mais frequência, para as carruagens não irem tão cheias”. Resta saber se a CP vai apanhar o comboio do silêncio da União Europeia ou se vai continuar a gerar confusão para todos os viajantes.