Numa das travessas do Bairro da Torre, Manuel Ramalho aguardava ansiosamente pela chegada de alguém. Tinham-lhe dito no final da semana passada que foi selecionado para fazer parte de um teste piloto para despistagem da covid-19.
A equipa de paramédicos da Catástrofe Internacional que vai fazer o teste serológico, permitindo ao reformado, de 70 anos, saber se está ou não infetado com o novo coronavírus, explica-lhe os procedimentos e faz as perguntas do questionário.
Mas da boca de Manuel são poucas as palavras. A esposa, igualmente nervosa, mas mais expansiva, vai alertando a pandemia “é o fim da humanidade” e questiona se é preciso tanta gente para fazer o teste numa altura em que se aconselha isolamento social.
Ao fim de 10 minutos, o resultado: negativo e Manuel respira de alívio.
“Estava um bocadinho receoso, mas agora está tudo bem, tudo normal, correu tudo bem”, diz, já mais descontraído.
Assume que tem tido um comportamento “exemplar” no que diz respeito à quarentena, mas ouve com atenção os conselhos da equipa de paramédicos e garante que o resultado do teste não o vai tornar descuidado.
“Vou continuar a fazer o mesmo enquanto não houver novas ordens. Este resultado deixa-me mais à vontade, mas isso não quer dizer que não continue a fazer o mesmo que fazia”, diz Manuel, agora já com a esposa mais sorridente a seu lado.
Ambos elogiam a iniciativa da autarquia do distrito de Lisboa e o homem defende mesmo que deviam ser feitos testes “a toda a gente”.
Não chegará a todos, mas em Cascais, numa primeira fase, seis equipas compostas por paramédicos e profissionais da câmara municipal vão testar entre 400 e 500 munícipes para saber mais sobre a propagação da pandemia.
Eddie Nobre, paramédico, está familiarizado com o teste que vai aplicar nas próximas semanas e à Lusa diz que é uma honra ter sido contactado para este projeto pioneiro.
O profissional de saúde explica que é um teste com origem no Texas, nos Estados Unidos da América, e capaz de fazer o despiste da infeção em dez minutos.
“É um teste simples, no qual é retirado sangue periférico, mas com um nível de fiabilidade que os estudos mostram ser de 98,6%”, sublinha.
A segunda morada da manhã de hoje é no Estoril, onde nos últimos dias tem estado em isolamento a família Moura. Casada com um português, Nadia Yakimenko, empresária do ramo imobiliário, é quem abre a porta.
A russa de 45 anos conta que muitos amigos seus, mal souberam da iniciativa, manifestaram vontade em participar, e que por isso ficou muito contente por ter sido uma das selecionadas para a amostra aleatória.
Por ter sido o último aniversariante da família, foi o filho de 15 anos, Ricardo, a fazer o teste. O resultado negativo do adolescente foi uma espécie de “prémio” pelo sacrifício que têm feito, considera a mãe.
“Estou muito contente, estamos todos. Fizemos uma quarentena muito rigorosa e acho que deu resultados”, diz a empresária, que considera “ótima” a iniciativa da autarquia.
“Espero que possamos perceber qual o número de pessoas infetadas e considero que devíamos fazer ainda mais testes. Embora não seja fácil, todos deviam fazer”, diz Nadia, em conversa com a agência Lusa.
Sobre a quarentena, a mulher admite que viver numa moradia torna a missão mais fácil e afirma mesmo que está a ser uma experiência melhor do que equacionava no início.
“Viver numa moradia é mais fácil do que num apartamento, pois temos muitas coisas para fazer. Depois, conseguimos conviver juntos, o que hoje em dia é raro por causa do trabalho, e acho que precisava mesmo desta paragem”, admite.
Já em regime de ‘lay-off’, Natacha Van Doorn, gestora de projeto, também no ramo imobiliário, acredita que esta paragem pode de facto ser benéfica, mas não consegue pôr de lado as dificuldades que se anteveem para o futuro.
Classifica como “inspirador” o modo com os portugueses têm encarado este “desafio”.
“É muito positivo. Acho que é inovador, ainda para mais porque faz toda a diferença este tipo de iniciativas numa doença em que os dados são fundamentais para perceber o que se está a passar.”
Mais preocupada com o tipo de teste que ia fazer, já que temia as zaragatoas, que “quase fazem comichão no cérebro”, Natacha recebe com naturalidade o resultado negativo ao teste de infeção para covid-19.
Sob o olhar atento do namorado, e protetor do amigo de quatro patas que a “obriga” a pelo menos três saídas à rua por dia, Natacha depressa centra a atenção no que aí vem.
“Vamos aguardar com tranquilidade e manter o espírito positivo, que é o mais importante, mas também expectantes em relação a maio, porque as empresas têm de começar a voltar ao seu normal”, antecipa, em forma de desejo.
Devolver Cascais ao seu ritmo normal é também um dos desejos da câmara municipal.
O vice-presidente da câmara, Miguel Pinto Luz, em declarações à Lusa, não coloca esse ponto como prioridade desta iniciativa, mas realça que tem sido feito um esforço para que Cascais possa estar na linha da frente na busca das melhores soluções.
“A câmara gosta de ser pioneira e gosta de estar na frente de combate. Nas últimas semanas tem sido público o esforço que temos vindo a fazer para ajudar todos aqueles que necessitam e ajudar o país a ultrapassar este flagelo. Foi nesse sentido que decidimos lançar este estudo estatístico, cujo único objetivo é perceber qual a quantidade de população que já teve contacto com a doença”, explica, adiantando que o município procura deste modo “ter números relevantes para poder partilhar com as autoridades de saúde e com a população”, debatendo o tema “com uma base científica mais sólida”.
No horizonte da autarquia está já uma segunda vaga de testes, que pode chegar às populações mais expostas, como lares de terceira idade, forças de segurança e profissionais de saúde.
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